O SURGIMENTO DO AMILENISMO | Nathan Busenitz


Como vimos no capítulo 7, os estudiosos amilenistas reconhecem prontamente que uma simples leitura dos profetas do Antigo Testamento leva a uma visão Premilenista Futurista. O capítulo 8 explicou que Cristo e os apóstolos nunca rejeitaram essas expectativas milenares, mas as afirmou como certas. Não é surpreendente, então, descobrir que o Premilenismo foi a visão escatológica predominante da igreja primitiva. É especialmente significativo perceber que esta visão escatológica floresceu na Ásia Menor – a região onde o apóstolo João havia ministrado e onde o livro do Apocalipse foi escrito.

Mas tudo isso levanta uma questão importante: Se o Premilenismo é ensinado no Antigo Testamento, afirmado no Novo e amplamente adotado na história da Igreja Primitiva, como então o Amilenismo se desenvolveu, de modo que ele se tornou a posição da maioria da igreja durante a Idade Média?

Os estudiosos têm sugerido pelo menos quatro fatores que contribuíram para o aumento do [pobre] Amilenismo – a visão que realmente tomou forma nos séculos III e IV. Os primeiros dois fatores – a hermenêutica alegórica e dualismo platônico – estão conectados, e entraram na igreja através da influência da filosofia e da cultura grega popular. Essa influência foi particularmente forte em Alexandria, Egito, onde ele primeiro afetou o ensino rabínico judaico antes da época de Cristo. Como Rick Bowman e Russel L. Penney explicam: “Este tipo de interpretação alegórica pode ser visto na época de Platão quando o hedonismo flagrante das divindades foi interpretado simbolicamente, a fim de torná-los aceitáveis. Incapaz de conciliar seus pontos de vista com a interpretação literal das Escrituras, comentaristas antigos judeus começaram a alegorizá-las. Os rabinos de Alexandria, Egito, começaram a ensinar alegoricamente, a fim de combater a crítica gentílica do Antigo Testamento”.[25] Esta abordagem rabínica teve um grande impacto sobre a igreja. O historiador Roger Olson observa a conexão: “O padrão de Alexandria tinha sido estabelecido no tempo de Cristo pelo teólogo judeu e estudioso bíblico Filo, que acreditava que as referências literais e históricas das Escrituras Hebraicas eram de menor importância. Ele procurou descobrir e explicar significados alegóricos ou espirituais das narrativas bíblicas... Muitos pensadores cristãos tomaram emprestado as estratégias [mirabolantes] hermenêuticas de Filo, e que não era mais verdadeiro nem mesmo em Alexandria”.[26]

Não é surpreendente, pois, descobrir que a oposição inicial ao Premilenismo saiu de Alexandria.[27] “O primeiro adversário proeminente [de um milênio literal] foi Clemente de Alexandria [cerca de 150-215], que tinha sido influenciado pela filosofia idealista platônica e tinha adotado o método alegórico grego de interpretação das Escrituras”.[28] O discípulo de Clemente, Orígenes de Alexandria, carregou ainda mais as opiniões de seu professor, popularizando a hermenêutica alegórica. Como Paulo Benware explica, “Orígenes (185-254 d.C.) e outros estudiosos em Alexandria foram grandemente influenciados pela filosofia grega e tentaram integrar essa filosofia com a teologia cristã. Incluído na filosofia grega estava a idéia de que essas coisas que eram materiais e físicas eram inerentemente más. Influenciado por este pensamento, esses estudiosos alexandrinos concluíram que um reino terreno de Cristo com as suas muitas bênçãos físicas seria algo mal”.[29]

De posse de uma hermenêutica alegórica, intérpretes alexandrinos foram capazes de explicar textos do Antigo Testamento que, tomados literalmente, apontam para um reino terreno milenar. Devido à influência da filosofia grega (dualismo platônico), eles estava ansiosos para minimizar as bênçãos materiais prometidas pelos profetas e reinterpretá-las como realidades espirituais. “Conforme o gnosticismo (e uma interpretação tradicional) do dualismo platônico, o corpo e inferior à alma, em valor, e mais geralmente o mundo material é inferior ao mundo imaterial”.[30] A compreensão espiritual do reino milenar foi considerada mais filosoficamente aceitável. Assim, pontos de vista premilenistas foram rejeitados, uma vez que eles foram baseados em uma interpretação literal das promessas do Antigo Testamento. Como o amilenista William Masselink reconhece: “A filosofia gnóstica [dualista] deste período e da escola de Alexandria, com suas interpretações alegóricas das Escrituras, foram também um grande detrimento para o progresso do quialismo”.[31]

Uma terceira contribuição para o desenvolvimento do Amilenismo (ou, pelo menos, à rejeição do Premilenismo) foi uma crescente oposição por parte dos cristãos para com judeus incrédulos. “Como a animosidade dos judeus para com os cristãos continuou e tornou-se cada vez mais claro que os judeus não acreditavam em Cristo, muitos cristãos começaram a ver os judeus como seus inimigos”.[32] Esta animosidade contribuiu para o declínio do Premilenismo, especialmente quando apologistas judeus argumentaram que Jesus não poderia ter sido o Messias desde que as promessas milenares ainda não haviam sido literalmente cumpridas através dEle. Assim, Andrew Chester, falando da igreja primitiva, observa:

É precisamente o fato de que a gloriosa transformação da terra ainda não tomou lugar que faz a reivindicação messiânica cristã vulnerável aos ataques dos judeus, enquanto, simultaneamente, as fontes judaicas e cristãs compartilham claramente a mesma tradição e passagens das Escrituras, e são, em muitos aspectos, difíceis de serem distinguidos um do outro. Por isso, é a estreita ligação entre as posições judaicas e cristãs que é submetida à polêmica por opositores cristãos do quialismo, como Orígenes, a fim de estabelecer a posição cristã como distintiva e se livrar do materialismo bruto.[33]

Ao espiritualizar as promessas milenares, Orígenes e outros tentaram defender o cristianismo de seus oponentes judeus, diferenciando ainda mais a sua escatologia a partir dos ensinamentos do judaísmo.[34]

Uma quarta contribuição para o desenvolvimento da teologia do Amilenismo foi a mudança sociopolítica significativa que ocorreu no Império Romano entre os séculos I e IV. A queda de Jerusalém em 70 d.C. e a revolta de Bar Kochba em 135 parecia indicar que Deus já não tinha quaisquer planos para Israel como uma nação. Em seguida, no quarto século, o início de um reino cristão em Roma, sob o reinado de Constantino, foi interpretado por muitos como o cumprimento das promessas milenares. Como resultado, o Premilenismo – que prevaleceu na Igreja Primitiva – foi agora completamente eclipsado. Citemos novamente o historiador Philip Schaff:

Em Alexandria, Orígenes se opôs ao quialismo como um sonho judeu e espiritualizou a linguagem literal dos profetas... Mas o golpe esmagador veio da grande mudança na condição social e nas perspectivas da igreja na era de Nicéia. Depois que o cristianismo, ao contrário de todas as expectativas, triunfou no Império Romano e foi abraçado pelos Césares, o reino milenar, em vez de ser ansiosamente esperado e considerado objeto de oração, começou a ser datado a partir da primeira aparição de Cristo ou a partir da “conversão” de Constantino e da queda do paganismo, e deve ser considerado como realizado na glória do Estado-Igreja Imperial dominante.[35]

Assim, as tentativas de defender a doutrina de um reino milenar literal de Cristo estavam viciadas em grande parte pela “conversão” do imperador Constantino... e, a cessação da perseguição, em conseqüência da mudança completa de sua atitude oficial em relação ao cristianismo. No gozo de patrocínio imperial, parecia evidente para muitos que o reino havia chegado e que bênçãos milenares preditas pelos profetas eram para se tornar a posse do povo de Deus aqui e agora. Na verdade, Eusébio, o pai da história Igreja, declarou especificamente que o reino já havia chegado.[36]

Com a nação judaica em baixa e um império cristão com sede em Roma, muitos crentes não acharam necessário olhar para frente, para um futuro reino messiânico na terra.

AGOSTINHO, O PAI DO AMILENISMO
A oposição ao Premilenismo Futurista ganha terreno no terceiro século e início do quarto, principalmente devido aos motivos listados acima. No entanto, foi Agostinho (354-430) quem estabeleceu, de fato, o Amilenismo da igreja medieval. Embora tivesse, inicialmente, se inclinado em direção à perspectiva Premilenista, o Bispo de Hipona, em última instância, rejeitou-a porque sentiu que havia promovido carnalidade através da sua ênfase em bênçãos materiais em um reino terreno. Como observa Keith Mathison:

No início de sua vida cristã, Agostinho havia sido atraído para o milenarismo (Premilenismo), porém, mais tarde o rejeitou. Sua rejeição, ao que parece, foi em grande parte devido a algumas das versões excessivamente carnais do milenarismo que eram correntes em sua época. Ele mudou de posição e adotou, de vez, uma abordagem simbólica para o vigésimo capítulo de Apocalipse. Na Cidade de Deus, Agostinho ensina que a primeira ressurreição mencionada em Apocalipse 20 é uma ressurreição espiritual, a regeneração de pessoas mortas espiritualmente (20.6). Em contraste com o Premilenismo, ele ensina que a segunda ressurreição ocorre na segunda vinda de Cristo, e não mil anos depois.[37]

As conclusões teológicas de Agostinho também foram influenciadas pela hermenêutica alegórica e filosofia grega de Alexandria:

Embora Orígenes e outros começassem a questionar a visão premilenista, foi Agostinho quem sistematizou e desenvolveu o Amilenismo como uma alternativa ao Premilenismo. Como Orígenes, Agostinho tinha sido educado na filosofia grega e não poderia escapar de sua influência, o que o levou a ver o Premilenismo com suspeita, entendendo-a como uma visão que promoveu um tempo de gozo carnal... A atitude de Agostinho, bem como a sua teologia, desde então tem dominado grande parte da igreja. Além disso, ele descobriu nos métodos alegóricos de interpretação de Orígenes uma ferramenta útil para contornar os ensinamentos de certas passagens milenares. Com isto, Agostinho veio a rejeitar a idéia de Premilenismo no reino terrestre de Cristo, que havia sido realizada na igreja durante vários séculos [desde os primórdios da igreja].[38]

Agostinho afirma suas razões para rejeitar o Premilenismo em A Cidade de Deus. Lá ele escreve: “Este parecer [de um futuro milênio literal depois da ressurreição] pode ser permitido se propor um único deleite espiritual aos santos durante este espaço (e nós já fomos da mesma opinião); mas vendo as provas deste documento, que afirma que os santos, após esta ressurreição, devem fazer nada além de deleitarem-se com banquetes carnais, onde o elogio deve exceder tanto a modéstia e a medida, este é bruto e apto para ninguém, mas os homens carnais para acreditar. Mas, os que são realmente e verdadeiramente espirituais se chamam aqueles desta opinião quialista”.[39] Do ponto de vista premilenista moderno, as razões de Agostinho para rejeitar uma compreensão literal da profecia milenar parece trivial.[40] No entanto, o que se poderia pensar dos méritos relativos às conclusões de Agostinho, ninguém questiona a influência que sua mudança de espírito provocou na história da igreja. Embora houvesse ainda alguns defensores do Premilenismo no século V,[41] “a derrota final do quialismo no Ocidente deve-se a Agostinho, que, em sua Cidade de Deus identificou o milênio com a história da Igreja na Terra e declarou que, para aqueles que pertencem à verdadeira Igreja, a primeira ressurreição já passou”.[42]

A Escatologia de Agostinho tornou-se o padrão para a igreja medieval no Ocidente. Como Millard Erickson aponta: “Os três primeiros séculos da igreja foram provavelmente dominados pelo que chamaríamos hoje de Premilenismo, mas, no século IV, um donatista africano chamado Tyconius propôs uma visão competitiva. Embora Agostinho fosse um adversário dos donatistas, ele adotou o ponto de vista de Tyconius do milênio. Esta interpretação dominou o pensamento escatológico em toda a Idade Média”.[43] De fato, uma forma modificada da Escatologia Amilenista de Agostinho (aquele em que o reino de Deus na terra foi igualado com a Igreja Católica Romana)[44] tornou-se tão dominante que alguns teólogos medievais foram aos extremos para suprimir o Premilenismo. “Não só a perspectiva anti-milenarista se tornou o padrão para a ortodoxia; começando com o Concílio de Éfeso no quinto século e durante a Idade Média, os líderes da igreja buscaram suprimir o milenarismo. Eles promoveram esta campanha até ao ponto de alterar os escritos de premilenistas entre os primeiros Pais da Igreja, como Irineu”.[45]

Mais de mil anos depois de Agostinho, quando a Reforma inrrompeu a cena, os reformadores magistrais mantiveram uma escatologia anti-Premilenista – algo que eles herdaram da igreja medieval.[46 Embora distantes do verdadeiro cristianismo a partir da instituição do papado,[47] Lutero e Calvino, no entanto, rejeitaram [lamentavelmente] o Premilenismo totalmente – vendo-o como uma corrupção[48] perigosa que havia sido descartada há muito tempo pela igreja.[49] Esta rejeição é particularmente irônica no caso de Calvino, como foi discutido no capítulo 7, pois ele se opôs à hermenêutica alegórica de Orígenes.[50] No entanto, foi a partir dessa hermenêutica alegórica que o Amilenismo inicialmente se desenvolveu na história da igreja.

A AFIRMAÇÃO DA HISTÓRIA DA IGREJA
Está fora de escopo deste capítulo discutir a história da Escatologia desde a Reforma até o presente. Nosso objetivo aqui é duplo: (1) Demonstrar que o Premilenismo era a visão predominante entre os primeiros pais da igreja e (2) dar uma explicação plausível para que se possa entender [de forma histórica e honesta] a razão do crescimento do Amilenismo tal como se desenvolveu nos séculos III e IV da história da igreja. Para reiterar um ponto feito no início: A história não é autoritária como o é a Escritura, mas ela pode [também] afirmar a posição Premilenista, indicando que as primeiras gerações de cristãos, em geral, interpretaram o testemunho apostólico através de uma lente Premilenista – uma visão [bíblica e sensata] em que um futuro de mil anos do reino messiânico sobre a terra era esperado pelos primeiros cristãos. O Premilenismo, como pode ser constatado, não é um desenvolvimento recente. Pelo contrário, é o mais antigo ponto de vista escatológico na história da igreja. Essa realidade acrescenta enorme credibilidade à posição Premilenista Futurista.

– Nathan Busenitz / Os Planos Proféticos de Cristo: Um guia básico sobre o Premilenismo Futurista – John MacArthur & Richard Mayhue – Cap. 9, Pág. 171-184
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FONTE: https://jppadilhabiblia.blogspot.com.br/
SÉRIE: Os Planos Proféticos de Cristo

Um comentário:

  1. Seria mais credivel se colocasse aqui as referencias biliografica. obrigado. Mas parabéns.

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