CALVINO E A HERMENÊUTICA DISPENSACIONALISTA (Por que ele se desviou? Entenda a história)



A posição reformada tem sempre abordado a Escritura por meio da hermenêutica literal – toma-se a Bíblia por seu valor nominal, aplicando-lhe as regras normais da linguagem a fim de se entender o texto. O próprio João Calvino foi um ardoroso defensor do método literal de interpretação bíblica. Como ele explicou, “reconheçamos que o verdadeiro significado da Escritura é simples e genuíno, abracemos e defendamos este significado com toda a nossa força. Que nós... confiantemente deixemos de lado como corrupções mortais aquelas exposições fictícias que nos levam para longe do sentido literal da Palavra”.[4] Seu compromisso com a hermenêutica literal o levou a buscar o significado pretendido pelo autor original da passagem. Em seu comentário aos Romanos, ele afirmou: “sendo que é quase a única tarefa [do intérprete] desvendar a mente do escritor a quem ele deseja expor, ele erra o alvo ou, pelo menos, se desgarra de seus limites ao ponto de levar seus ouvintes para longe do significado do autor [da Escritura]”.[5]

Ao interpretar o texto, João Calvino reafirma a seriedade da exposição bíblica. Ele escreve: “É presunçoso e quase blasfemo tentar descobrir o significado da Escritura sem o devido cuidado, como se a Bíblia fosse um jogo com que se brinca”.[6] Ademais, ele agressivamente opôs-se à interpretação alegórica do texto inspirado.

Este erro [da alegoria] tem sido a fonte de muitos males. Ele não somente abriu o caminho para a adulteração do significado natural da Escritura, como também fortaleceu a alegorização como a principal virtude exegética. Assim, muitos dos antigos sem quaisquer restrições jogaram toda a espécie de jogos com a sagrada Palavra de Deus, como se chutassem uma bola pra lá e pra cá. A alegorização também concedeu aos hereges uma oportunidade de lançar a Igreja numa tormenta, pois quando é aceito que qualquer um possa interpretar qualquer passagem como bem entende, qualquer idéia louca, absurda ou monstruosa, pode ser introduzida sob o pretexto de alegoria. Mesmo os bons homens foram levados pelo erro da alegoria, formulando um grande número de opiniões perversas.[7]

Assim, ele concluiu que os estudantes da Palavra de Deus devem “rejeitar completamente as alegorias de Orígenes e de outros como ele, que Satanás, com a mais profunda sutileza, tem introduzido na Igreja, com o propósito de tornar a doutrina da Escritura ambígua e destituída de toda a firmeza e certeza”.[8]

Premilenistas Futuristas afirmam de todo o coração declarações como esta. Uma hermenêutica literal é o fundamento exegético sobre o qual o Premilenismo se sustenta. Mas é significativo que João Calvino tenha se mostrado inconsistente na aplicação de seu próprio compromisso com a hermenêutica literal, especialmente quando trata das profecias dos últimos tempos. Nas passagens considerando o milênio, o reformador rapidamente abandonou sua própria hermenêutica literal e usou uma abordagem alegórica. Como ele mesmo explicou:

Quando os profetas descrevem o reino de Cristo, eles comumente se utilizam das similitudes da vida ordinária dos homens... mas estas expressões são alegóricas e acomodadas ao profeta à nossa própria ignorância, para que conheçamos, por meio das coisas que são percebidas pelos nossos sentidos,, as bênçãos que possuem grandeza e elevada excelência em que nossas mentes não podem compreender.[9]

Por exemplo, em seu comentário de Amós 9, João Calvino completamente abandonou a abordagem literal do texto, argumentando que a passagem encontra-se cheia de “expressões metafóricas” e “expressões figuradas”. Em seu entender, o profeta Amós falou de bênçãos físicas com o objetivo de descrever a Israel as “bênçãos espirituais” e “abundância espiritual” da “Igreja”. Ele declarou:

Se alguém objetar e disser que o profeta não fala aqui alegoricamente, a resposta é claríssima – pois esta é uma maneira de falar em muitos outros lugares da Escritura, de que um estado da felicidade é descrito diante de nossos olhos, estabelecendo diante de nós as conveniências da vida presente e das bênçãos da vida presente: isto pode especialmente ser observado nos profetas, pois eles acomodaram o seu estilo, como já declaramos, as capacidades de um povo rude e fraco.[10]

Mas, se Calvino tivesse interpretado Amós 9 e outras passagens apocalípticas da mesma maneira que interpretou o resto da Bíblia, usando a hermenêutica literal que ele defendia, teria inevitavelmente chegado a conclusões premilenistas futuristas.[11] Ademais, uma hermenêutica literal, consistentemente aplicada, leva ao Premilenismo Futurista – ponto em que os eruditos amilenistas abertamente concordam ao longo dos anos. No capítulo 3, Richard Mayhue citou as palavras de Floyd E. Hamilton[12] e O. T. Alis[13] a este respeito. Às suas palavras, podemos acrescentar:

Herman Bavink: Todos os profetas, com igual vigor e força, anunciam não somente a conversão de Israel e das nações, como também o retorno à Palestina, a reedificação de Jerusalém, a restauração do tempo, do sacerdócio, da oração sacrificial, e assim por diante. A profecia nos pinta uma imagem singular do futuro. E esta imagem pode tanto ser tomada literalmente como se apresenta [e como os pré-milenistas entendem]... ou esta imagem nos leva a uma interpretação muito diferente daquela pretendida pelo quialismo [premilenismo].[14]

William Masselink: Se toda profecia deve ser interpretada de modo literal, as visões quiliásticas [premilenismo futurista] estão corretas; se não pode ser provado que estas profecias têm significados espirituais, a alegoria deve ser rejeitada.[15]

Anthony Hoekema: Amilenistas, por outro lado, crêem que, embora muitas profecis do Antigo Testamento devam ser interpretadas literalmente, muitas outras precisam ser interpretadas de modo alegórico.[16] 

Graeme Goldsworthy: Poderia ser argumentado que, embora os detalhes posam ser difíceis de interpretar por causa da preferência profética pela imagem poética e pela metáfora, o quadro maior é abundantemente claro. Nesta fase, o literalista afirma que Deus revela através dos profetas que seu reino virá com o retorno dos judeus à Palestina, a reedificação de Jerusalém, a restauração do templo... O literalista deve tornar-se um futurista, uma vez que o cumprimento literal de toda a profecia do Antigo Testamento ainda não aconteceu.[17]

Loraine Boetnner, um pós-milenista, ecoa sentimentos semelhantes: “Geralmente concorda-se que se as profecias forem tomadas literalmente, elas prenunciam uma restauração de Israel na terra da Palestina com os judeus tendo um lugar preeminente naquele reino e governando sobre todas as nações”.[18]

Como mostrado nos exemplos acima, o Premilenismo Futurista é o resultado da aplicação consistente da hermenêutica literal. Embora Calvino fortemente tenha advogado a abordagem literal, ele foi inconsistente na aplicação dessa hermenêutica. Gerações de teólogos reformados têm seguido [lamentavelmente] seu exemplo, adotando uma abordagem alegórica para lidar com os textos proféticos.

Mas, com todo devido respeito ao distinto reformador [Calvino], ao contrário dele, não há nenhuma boa razão para mudarmos nossa hermenêutica ao nos depararmos com a profecia bíblica. Devemos interpretar a profecia da mesma maneira que interpretamos a história – tomando-a como um relato literal de eventos reais (embora futuros). Como J. C. Ryle corretamente notou:

Todos estes textos [proféticos] são para mim profecias plenas da segunda vinda e do reino de Cristo. Todas estas profecias permanecem sem cumprimento e serão cumpridas literalmente com exatidão. Digo “literalmente cumpridas com exatidão”, e o digo de modo a instruir. Antes do primeiro dia em que comecei a ler a Bíblia com meu coração, jamais pude enxergar estes textos e centenas de outros semelhantes a eles de outra maneira. Sempre me pareceu que quando tomamos os textos literalmente os muros da Babilônia desabam, de modo que devemos interpretá-los literalmente para que os muros de Sião sejam erguidos – segundo a profecia de que os judeus foram literalmente dispersos e de que serão literalmente ajuntados – e que em seus mínimos detalhes as predições se cumpriram com respeito à vinda de nosso Senhor como servo sofredor, assim também as predições com respeito à sua segunda vinda para reinar serão cumpridas em seus mínimos detalhes.[19]

Como Ryle aponta, é inconsistente mudar [de modo arbitrário] nosso método de interpretação no que diz respeito à profecia dos últimos tempos. As razões pelas quais o próprio Calvino o fez foram baseadas em sua afirmação de que essas profecias ainda não tinham se cumprido na história, e, portanto, não poderiam ser tomadas literalmente.[20] Ao rejeitar a possibilidade de um cumprimento futuro, Calvino abraçou o erro hermenêutico que ele mesmo tanto denunciou: o método alegórico.

Mas a hermenêutica alegórica, mesmo quando usada com moderação (como Calvino pretendeu fazer),[21] é cheia de perigos – pois abre a porta para um número sem fim de interpretações espiritualizadas. Antes, o texto deve ser tomado em seu valor nominal, não ao pé da letra, mas de acordo com o uso normal da linguagem [exigida pela gramática do texto]. Repetindo uma excelente frase de João Calvino, “saibamos que o verdadeiro significado da Escritura é aquele simples e genuíno”. Se ele tivesse aplicado este princípio a todas as passagens bíblicas, a história da Escatologia reformada teria tomado um rumo totalmente diferente.

Os que seguem a tradição reformada, que abraçam a abordagem literal à interpretação bíblica, poderiam ser os primeiros a advogarem o Premilenismo Futurista. Do ponto de vista da hermenêutica, é inconsistente que não o façam.

– John MacArthur / Os Planos Proféticos de Cristo: Um guia básico sobre o Premilenismo Futurista – Cap. 7, Pág. 137-150

- Pequeno trecho do artigo: "O Calvinismo Leva ao Premilenismo Futurista (Dispensacionalismo)".

CAPÍTULO COMPLETO: O Calvinismo leva ao Premilenismo Futurista
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