Revelação Progressiva? | John MacArthur



Os carismáticos se esforçam para explicar como a suposta revelação que eles recebem por meio de línguas, profecias e visões combina-se com a Escritura. J. Rodman Williams, como vimos no trecho anterior, alega que esses fenômenos carismáticos são apenas novas manifestações do que ocorria nos tempos bíblicos: “É bom saber que... Se alguém diz: ‘Assim diz o Senhor’ e ousa dirigir-se aos irmãos na primeira pessoa — ainda que vá além das palavras da Escritura — isso também aconteceu há muito tempo”.(18) Sua explicação dos dons espirituais é um argumento em prol da revelação contínua: “No Espírito, a comunidade presente é a arena da presença vital de Deus, assim como o era qualquer outra comunidade dos relatos bíblicos. Na verdade, à luz do que podemos aprender e aceitar com seriedade deste testemunho passado, podemos esperar “novos”acontecimentos hoje e no porvir”.(19) Williams continuou e descreveu como as novas revelações surgem. Ele enfatizou muito o “dom de profecia”:

“Deus fala na profecia. É algo simples, profundo e surpreendente! Na comunidade, a palavra pode ser proferida subitamente por qualquer um dos presentes; deste modo, um “Assim diz o Senhor” irrompe entre os congregados. Isso ocorre freqüentemente (mas nem sempre) na primeira pessoa: “Estou contigo para abençoar-te” e possui a direção de “eu-tu”. Ela não ocorre em uma língua celestial, e sim na língua materna de quem fala, com suas inflexões, cadências e modos. De fato, pode até faltar refinamento ao discurso ou conter erros gramaticais; pode ser uma mistura de vocabulário bíblico tradicional com expressões cotidianas; também pode ser titubeante ou fluente — isso não importa. Na profecia, Deus usa o que encontra e, por meio de instrumentos humanos frágeis, o Espírito anuncia a Palavra do Senhor...


Tudo isso, repito, é bastante surpreendente e extraordinário. É claro que muitos de nós estamos acostumados com as sentenças proféticas registradas na Bíblia e dispostos a aceitá-las como Palavra de Deus. Acostumamo-nos com os “Assim diz o Senhor” de Isaías ou Jeremias, mas dar ouvidos hoje a Tom ou Mary, no século XXI, falando da mesma forma... Muitos de nós estamos convictos de que a profecia terminou na época do Novo Testamento (a despeito de toda evidência neotestamentária em contrário), até que, mediante a arremetida dinâmica e repentina do Espírito Santo, a profecia ressurgiu. Agora, admiramo-nos de que tenhamos interpretado erroneamente, por muito tempo, o Novo Testamento!”(20)


Isso equivale a afirmar que os exemplos correntes da profecia carismática são revelações divinas idênticas às Escrituras. Essa declaração é preocupante pela possibilidade evidente de fraudes e erros cometidos pelos “profetas” modernos. Williams reconheceu esse perigo e escreveu:


“A profecia não pode ser recebida, de maneira alguma, como algo casual. Visto que ela é a própria mensagem de Deus para seu povo, a comunidade tem de prestar atenção séria e diligente a cada palavra proferida e aplicá-la à sua vida. Além disso, por causa do perigo constante do abuso da profecia — a pretensão de ter uma mensagem da parte de Deus —, há necessidade de discernimento espiritual”.(21)


Embora Williams admita o risco, em nenhuma parte de seu livro ele descreve como a “atenção séria e diligente” e o “discernimento espiritual” devem ser usados para distinguir o verdadeiro do falso.


Talvez, posteriormente, Williams tenha percebido os problemas que produzira, pois tentou esclarecer suas opiniões no Logos Journal:


“Não pretendo, de modo nenhum, colocar as experiências contemporâneas no mesmo nível de autoridade da Bíblia. Em vez disso, afirmo, com vigor, a autoridade decisiva da Escritura. Portanto, Deus não fala hoje com a mesma autoridade com que falava aos autores bíblicos. No entanto, ‘ele continua a falar’ (ele não parou de se comunicar com o término do cânon do Novo Testamento); portanto, Ele se “move entre e além dos registros do testemunho do passado”, porque é o Deus vivo, que ainda fala e age entre seu povo”.(22)


Essa explicação não resolve o problema. A distinção entre autoridade bíblica e revelação adicional parece bastante forçada. Como algumas palavras de Deus podem possuir autoridade inferior a outras?


A verdade é que o conceito de Williams não se distingue do posicionamento neo-ortodoxo assumido por Dewey Beegle. Caso o evangelicalismo permita que esse ponto de vista se alastre, o caráter ímpar das Escrituras será sacrificado e a base de todas as nossas crenças estará comprometida. Isso é precisamente o que acontece hoje. Por causa da crescente influência da doutrina carismática, grande parte da igreja talvez abandone, equivocadamente, sua pedra fundamental: o princípio SOLA SCRIPTURA — a Palavra de Deus é a única fonte de autoridade divina.


Uma vez que uma igreja veja as Escrituras como menos do que a autoridade final, completa e infalível de fé e prática, ela terá aberto as portas ao caos teológico. Qualquer crente pode reivindicar estar proferindo uma revelação divina — e quase tudo pode se passar por verdade divinamente revelada. Não se engane: alguns dos mais conhecidos líderes carismáticos têm abusado da confiança de seu rebanho por afirmarem o recebimento de novas verdades divinas quando, na verdade, ensinam mentiras e invenções.


Talvez o exemplo mais descarado seja a “profecia” entregue por Kenneth Copeland, amplamente publicada. Ele afirmou que Jesus lhe dera uma mensagem “durante a Campanha da Vitória de três 

dias, realizada em Dallas (Texas)”.(23) Julgue por si mesmo se essa mensagem poderia vir do Jesus das Escrituras: 

“É tempo de acontecerem essas coisas, diz o Senhor. É tempo de aumentar a atividade espiritual. Oh! Sim, a atividade demoníaca crescerá ao mesmo tempo! Mas não deixem que isso os perturbe.

Não se inquietem quando as pessoas os acusarem de pensar que são Deus. Não se perturbem quando as pessoas os acusarem de viver como fanáticos. Não se preocupem quando os humilharem e falarem de modo rude e desagradável sobre vocês. Elas falaram assim a meu respeito; por que não agiriam desse modo com vocês?

Quanto mais vocês se assemelharem a mim, mais as pessoas pensarão assim a respeito de vocês. Elas me crucificaram por dizerem que eu era Deus. No entanto, eu não disse que era Deus; apenas afirmei andar com Ele, e que Ele estava em mim. Aleluia! Isso é o que vocês estão fazendo!(24)

A “profecia” de Copeland é evidentemente falsa. O verdadeiro Jesus — o Jesus do Novo Testamento — afirmou ser Deus. Usando o nome de Deus da aliança, Jesus disse aos líderes judeus: “Antes que Abraão existisse, Eu Sou” (Jo 8.58). Ele fez essas afirmações repetidas vezes (Mc 14.61-64; Jo 5.16-18; 10.30-33). O apóstolo João escreveu um evangelho inteiro para destacar e substanciar essas afirmações (cf. Jo 1.1,14).

PERGUNTA: Copeland é um profeta genuíno ou é um daqueles a respeito de quem Pedro disse quando advertiu: “Haverá entre vós falsos mestres, os quais introduzirão, dissimuladamente, heresias destruidoras, até ao ponto de renegarem o Soberano Senhor que os resgatou” (2Pe 2.1b)? A resposta óbvia a essa pergunta é obscura apenas para quem está incerto sobre a possibilidade de que as “profecias” modernas suplantam a Palavra de Deus.

Nem todas as profecias e visões dos carismáticos são tão nitidamente conflitantes com a Escritura. Algumas são apenas frívolas, sutis... e passam despercebidas. Larry Lea escreveu:

“Há vários anos, um de meus queridos colegas de ministério disse-me: “Larry, enquanto orava por você outro dia, tive uma visão. Eu o vi com grandes orelhas, semelhantes às do ‘Mickey Mouse’. O restante do seu corpo parecia normal, exceto as orelhas do tamanho das de um elefante. Quando pedi ao Senhor que me contasse o significado da visão, o Espírito do Senhor me respondeu e disse: “Larry Lea melhorou sua audição; desenvolveu ouvidos espirituais”.(25)

Os carismáticos desprezam a exclusividade da Escritura como Palavra de Deus; e o resultado é a competitividade espiritual. O anseio por algo novo e esotérico substitui a firme confiança na Palavra de Deus, estabelecida pelo cristianismo histórico. Isso é um convite à falsificação satânica. Confusão, erro e engano diabólico são os resultados inevitáveis.

Melvin Hodges é um pastor carismático que tem admitido suas reservas quanto às “novas” revelações. Ele disse:

“Atualmente, muitas pessoas tentam elevar os dons de profecia e revelação a um nível impróprio. Existem exemplos de igrejas governadas pelos dons de inspiração. Diáconos foram escolhidos, e pastores, removidos ou instalados por profecias, resultando em desordem. A causa é óbvia. A profecia nunca teve o objetivo de usurpar o lugar dos ministérios de governo ou do dom da palavra de sabedoria. Paulo ensinou que o corpo é formado de muitos membros, e não de um só. Se a profecia usurpa o papel da palavra de sabedoria ou da palavra de conhecimento, o corpo todo será dominado por um único ministério, isto é, o de profecia. Em outras palavras, todo o corpo passa a ser governado pelo membro “profético”...

O conceito da infalibilidade da voz profética tem confundido muitas pessoas. Alguns pensam ser pecaminoso questionar o que consideram a “voz do Espírito”. Entretanto, no ministério de todos os dons, existe cooperação entre o divino e o humano”.(26)

Observe que Hodges menciona “os dons de profecia e revelação”.

É evidente que ele crê que Deus está ortorgando novas revelações hoje. Ao mesmo tempo, ele está perfeitamente cônscio dos problemas causados na igreja pelas chamadas declarações proféticas. Do começo ao fim, ele evita a conclusão de que o “dom de profecia” possui menor autoridade do que a Bíblia. Apesar disso, ele deseja advertir os carismáticos a não levarem as profecias tão a sério ou dar-lhes muita ênfase. Ele procura uma forma de solucionar a confusão, mas não há jeito. Quando a “declaração profética” é equiparada, em qualquer grau, à “revelação divina”, o resultado é a confusão total. A Bíblia perde sua característica exclusiva, e todas as conseqüências nefastas, descritas por Hodges, ocorrerão indubitavelmente.

Nem todos os carismáticos concordariam com a afirmação de que os problemas relacionados ao abuso das profecias seja exagerado. Alguns culpariam o uso equivocado do dom por parte de pessoas ignorantes. Sua resposta ao problema seria a oferta de treinamento. Certo grupo deu início a uma “Escola de Profetas”. Sua propaganda afirma em parte:

“Talvez você se sinta chamado para ser um oráculo do Senhor e tenha encontrado dificuldades para explicar suas experiências, ou para encontrar alguém a quem pudesse contá-las e aprender com elas. A Escola de Profetas foi planejada para ajudar a dar base e clareza aos milhares de “sonhos e visões” que constituem a marca dos ministérios de “profetas e videntes”, bem como para auxiliar na restauração do “ministério profético” no corpo de Cristo. Existem muitas pessoas desiludidas e desencantadas com o ministério profético por causa dos abusos e do uso equivocado dos dons. Não reaja de forma exagerada, pois, se você teve a experiência amarga de passar pela imitação, saiba da existência da realidade a ser descoberta... Abusos e representações equivocadas ocorrem apenas por causa de ignorância abominável. Venha e seja treinado na “Escola de Profetas”, preparando-se, de forma adequada, para cumprir o destino que “Deus escolheu” para você”!(27)

Entendo isso como uma maneira peculiar de lidar com o problema das falsas profecias. Alguma escola é capaz de ensinar aos profetas aspirantes como usar o seu “dom”? As pessoas podem ser ensinadas a dar “base e clareza” a seus “sonhos e visões”? A distinção entre a profecia falsa e a verdadeira é apenas uma questão de estudo? Creio que não.

A falsa profecia não é um pecado de menor importância. Deus falou aos israelitas: “Minha mão será contra os profetas que têm visões falsas e que adivinham mentiras” (Ez 13.9a).

A lei prescrevia um remédio severo para os falsos profetas:

Porém o profeta que presumir de falar alguma palavra em meu nome, que Eu lhe não mandei falar, ou o que falar em nome de outros deuses, esse profeta será morto. Se disseres no teu coração: Como conhecerei a palavra que o Senhor não falou? Sabe que, quando esse profeta falar em nome do Senhor, e a palavra dele se não cumprir, nem suceder como profetizou, esta é a palavra que o Senhor não disse; com soberba a falou o tal profeta; não tenhas temor dele” (Dt 18.20-22).

Não havia outra chance. O falso profeta — qualquer pessoa que profetizasse algo que não acontecia — deveria ser morto. Alegar que se fala em nome do Senhor é uma questão séria.

Apesar disso, alguns carismáticos crêem que todo crente desejoso de obter revelações divinas pode recebê-las. O mesmo exemplar da revista Charisma, que continha o anúncio da escola de profetas, também apresentava um conjunto de fitas de áudio com a promessa de ensinar aos crentes “como ouvir a voz de Deus”. Lê-se na propaganda: “Ouvir a voz de Deus em toda necessidade e situação é herança dos crentes”. Jerry Hester, o narrador das fitas, apresenta “Seminários de Ouvir” que “instruem como conversar com Deus em um nível íntimo durante as 24 horas do dia”.(28)

Portanto, se você quiser “anunciar” uma revelação particular da parte de Deus, poderá dirigir-se à Escola de Profetas; caso deseje apenas “receber” uma revelação divina particular, vá ao Seminário de Ouvir.

Tudo isso produz um efeito infeliz: afasta os cristãos da Bíblia, que é digna de confiança, e os ensina a procurar a verdade por meios subjetivos — conversas particulares com Deus, profecias, sonhos e visões. Isso deprecia a Palavra de Deus, eterna e inspirada, e leva as pessoas a buscarem fora da Bíblia formas de revelação divina mais particulares e recentes. Essa é, talvez, a tendência mais prejudicial e destrutiva do movimento carismático, como ressaltou René Pache:

“A preeminência excessiva dada ao Espírito Santo, na devoção dos carismáticos e na sua preocupação com dons, êxtases e “profecias”, leva-os a negligenciar as Escrituras. Por que se prender a um Livro do passado quando se é possível a comunicação diária com o Deus vivo? No entanto, esse é exatamente o ponto perigoso. À parte do controle constante da revelação escrita, seremos consumidos, não muito tempo depois, pela subjetividade; e o crente, embora tenha as melhores intenções, poderá sucumbir com rapidez em desvios, iluminismo e exaltação. Que todos nós nos lembremos da proibição de diminuir ou acrescentar qualquer coisa na Palavra de Deus (Dt 4.2; Ap 22.18-19). Quase todas as heresias e seitas começaram com uma suposta “revelação” ou nova experiência por parte do fundador, algo que estava fora do padrão estritamente bíblico”.(29)

O CÂNON ESTÁ TERMINADO 

De fato, não existe revelação mais particular ou recente do que a Bíblia. Deus não precisa conceder-nos revelações particulares a fim de ajudar-nos a andar com Ele. “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3.16-17). A Bíblia é suficiente. Ela contém tudo que necessitamos para as boas obras.

Os cristãos de ambos lados da questão carismática precisam entender uma verdade vital: a revelação divina está completa. O cânon da Bíblia está terminado. Ao escrever as palavras finais do último livro do Novo Testamento, o apóstolo João registrou o seguinte aviso: “Se alguém lhes fizer qualquer acréscimo, Deus lhe acrescentará os flagelos escritos neste livro; e, se alguém tirar qualquer coisa das palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida, da cidade santa e das coisas que se acham escritas neste livro” (Ap 22.18,19). Em seguida, o Espírito Santo acrescentou uma doxologia e encerrou o cânon.

Após o término do cânon do Antigo Testamento, nos dias de Esdras e Neemias, seguiram-se “quatrocentos anos de silêncio”, nos quais nenhum profeta proclamou revelação divina em nenhuma forma.

Esse silêncio foi rompido por João Batista, por meio de quem Deus se pronunciou novamente, antes da era do Novo Testamento. Então, Deus moveu diversos homens para escreverem os livros do Novo Testamento; e o último desses livros foi o Apocalipse. Por volta do século II d.C., o cânon completo era reconhecido pelas pessoas, exatamente como o temos hoje. Os concílios eclesiásticos do século IV confirmaram e oficializaram a afirmação universal da igreja: os 66 livros de nossa Bíblia são a única Escritura inspirada por Deus. O cânon está completo.

Assim como o cânon do Antigo Testamento foi seguido por silêncio, assim também o término do Novo Testamento foi seguido por ausência absoluta de novas revelações, sob qualquer forma. Desde a finalização do livro do Apocalipse, nenhuma profecia verbal ou escrita foi reconhecida universalmente pelos cristãos como verdade proveniente de Deus.

–– John MacArthur | O Caos Carismático

–– Fonte: Página JP Padilha

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