Dons na igreja de Corinto | John MacArthur


Observemos com detalhes o que o apóstolo Paulo tinha a dizer em 1 Coríntios sobre o uso equivocado dos dons espirituais. O abuso dos dons se tornara um problema em Corinto, como ocorre hoje no movimento carismático. Paulo, que fundara essa igreja na segunda viagem missionária (At 18), estava particularmente interessado na saúde espiritual e na vida dos crentes de Corinto. Ele passara dezoito meses em Corinto, estabelecendo a igreja e protegendo-a dos inimigos externos e internos.


Quando Paulo a deixou, outros pastores vieram para ministrar à igreja. Alguns deles destacaram-se e outros ficaram muito conhecidos. Infelizmente, depois de poucos anos após a partida de Paulo, vários problemas de ordem moral e espiritual surgiram na igreja de Corinto. A situação era tão séria, que a primeira carta de Paulo aos crentes de Corinto lidou exclusivamente com essas dificuldades. Divisões, culto à personalidade, facções, comprometimento moral e outros males perigosos afligiam a igreja. A carnalidade era mais valorizada que a espiritualidade. Perversões sexuais, fornicação, incesto e adultério eram tolerados, o mundanismo e o materialismo estavam presentes. Membros da igreja processavam uns aos outros em tribunais seculares. Uma facção promovia rebelião contra a autoridade apostólica. A igreja falhara completamente na tarefa de disciplinar o membro que incorrera em uma transgressão seriíssima. Havia muitos conflitos conjugais, e o papel dos solteiros era mal interpretado. Abusava-se da liberdade, a idolatria era praticada, o egoísmo imperava, o orgulho era comum, até mesmo a adoração a demônios se infiltrara. As pessoas abusavam dos papéis que Deus outorgara aos homens e às mulheres, menosprezavam a Ceia do Senhor e desonravam a celebração do amor. Em meio a tudo isso — como poderíamos esperar em ambientes assim — os dons espirituais eram pervertidos, usados erroneamente e corrompidos.

Essa era uma igreja corrompida. Seus membros trouxeram à igreja os pecados e falácias de sua existência como pagãos. O problema dessa igreja não era a ‘falta’ de dons espirituais. Em 1 Coríntios 1.7 Paulo lhes disse: “Não vos falte nenhum dom”. O problema da igreja de Corinto era ‘como’ utilizar os dons e como distinguir os verdadeiros dons e os dons artificiais e demoníacos. Isso era especialmente verdadeiro no que diz respeito ao dom de línguas.

Portanto, uma grande seção da epístola (1Co 12—14) debate a questão dos dons espirituais. Os crentes de Corinto tinham muitos conceitos errados sobre o Espírito Santo. À semelhança dos carismáticos modernos, eles tendiam a equiparar a atuação do Espírito com atividades de êxtase, involuntárias, frenéticas ou misteriosas. Qualquer pessoa podia levantar-se na igreja de Corinto e apresentar uma mensagem em outra língua, ou, talvez, entregar uma profecia, ou dar uma interpretação. Quanto mais agitada a pessoa, tanto mais piedosa e espiritual era considerada.

PAGANISMO EM CORINTO

O desejo de ser visto e reverenciado como “espiritual” era o motivo por que o dom de línguas foi explorado e pervertido em larga escala. Alguns crentes valiam-se do discurso em estado de êxtase, como se este fosse o verdadeiro dom de línguas. O que faziam não podia ser identificado com qualquer habilidade humana normal; por isso foi identificado como procedente de Deus.

Não é difícil entender como isso pôde acontecer. Desde o início, quando Paulo pregou o evangelho pela primeira vez entre os coríntios, o Espírito Santo realizara coisas estupendas entre eles. Ou seja, tinham o conhecimento de que o Espírito Santo estava atuando. No entanto, os problemas começaram quando os coríntios passaram a confundir a obra do Espírito Santo com as práticas místicas conhecidas nas religiões pagãs. A não ser por um pequeno grupo de judeus que faziam parte da igreja desde a fundação dela, a maior parte dos coríntios fora salva do paganismo.

O paganismo era predominante em Corinto. A cidade era permeada pela cultura grega, enamorada da filosofia. Os coríntios se deleitavam em comentar os mais variados filósofos e chegavam a adorá-los. Essa é a origem do sectarismo e das divisões mencionadas por Paulo em 1 Coríntios 1.11-12.

No entanto, é provável que Corinto fosse mis conhecida pela imoralidade sexual. O nome da cidade foi transformado em verbo. “Corintizar” significava relacionar-se sexualmente com prostitutas. Corinto era conhecida em todo o mundo por suas perversões e exageros sexuais. De acordo com o comentarista bíblico William Barclay:

“Acima do istmo, elevava-se a colina da acrópole, e nela estava o grande templo de Afrodite, a deusa do amor. Ao templo estavam ligadas mil sacerdotisas, prostitutas cultuais que à noite desciam da acrópole e aplicavam-se à sua ocupação nas ruas de Corinto, tornando-se um fato proverbial: “Nem todos os homens têm condições de ir a Corinto”.(20)


Infelizmente, o mesmo tipo de falta de moralidade infiltrou-se na igreja de Corinto. No capítulo 5, Paulo repreendeu a igreja porque um de seus membros vivia de modo pecaminoso com a mulher de seu pai. Os casamentos estavam em perigo e essa foi a razão pela qual o apóstolo Paulo gastou tanto tempo no debate sobre o casamento em 1 Coríntios 7.

A INFLUÊNCIA DAS RELIGIÕES DE MISTÉRIO

A todo momento a vida anterior dos crentes de Corinto lutava contra eles. Uma das maiores ameaças era a influência permanente das religiões de mistério, anteriormente praticadas por eles. Por mais de mil anos essas religiões haviam dominado aquela parte do mundo.

As religiões de mistérios assumiram muitas formas diferentes, retrocedendo a milhares de anos. Diversos ensinos e superstições que essas religiões propagavam eram comuns a cada uma de suas ramificações. Evidentemente, todas elas estavam interligadas por doutrinas comuns. A evidência aponta para a mesma origem: Babilônia.(21) Todo falso sistema de adoração originou-se nas religiões de mistério da Babilônia, pois todos esses falsos sistemas religiosos começara na torre de Babel. Babel é a primeira representação da religião falsa, sofisticada e organizada (cf. Gn 11.1-9). Ninrode, neto de Cam e bisneto de Noé, foi o patriarca apóstata que organizou e dirigiu a construção da torre (10.9-10). Parte do esquema consistia no estabelecimento de um sistema de religião falso, uma imitação da verdadeira adoração a Deus. Desde essa época, todo falso sistema de religião possui laços filosóficos e doutrinários relacionados à apostasia da torre de Babel. Por quê? Porque Deus, ao julgar as pessoas que construíram a torre de Babel, espalhou-as pelo mundo. Elas levaram consigo as sementes da falsa religião iniciada em Babel. E, onde quer que tais pessoas se estabeleciam, praticavam alguma forma da falsa religião de Babel. Eles a adaptavam, alteravam, faziam-lhes acréscimos; mas todas as falsas religiões subseqüentes provêm da religião de Babel. A heresia babilônica permanece viva até hoje e, de acordo com Apocalipse 17.4, predominará no período da tribulação, no fim dos tempos. O apóstolo João descreveu ali uma mulher blasfema, vestida de púrpura e escarlata — Babilônia, a mãe das meretrizes, com a qual os reis da terra se prostituíram — repleta de nomes de blasfêmia.

É
claro que em um centro comercial sofisticado, como a cidade de Corinto, as pessoas conheciam e praticavam diversas religiões de mistério. Tal como as falsas religiões contemporâneas, esses grupos praticavam ritos e liturgias sofisticados que incluíam regeneração batismal, sacrifícios pelos pecados, banquetes e jejuns. Os adeptos das religiões de mistério também praticavam a automutilação e castigos corporais. Criam em peregrinações, confissões públicas, ofertas, abluções religiosas e penitência para a remissão de pecados.

No entanto, talvez nenhum outro aspecto era mais característico das religiões de mistério que a experiência chamada de “êxtase”. Seus adeptos procuravam manter a comunhão mágica e sensitiva com o divino. Eles fariam qualquer coisa para entrar em um estado semiconsciente, alucinatório, hipnótico e orgástico, no qual criam manter contatos sensitivos com uma divindade. Alguns usavam o vinho para auxiliá-los na experiência eufórica, como Paulo deu a entender em Efésios 5.18. Quando os participantes sucumbiam ao estado de euforia, quer pela intoxicação literal, quer pela excitação emocional, eles pareciam estar drogados. Presumiam estar em união com Deus.

De acordo com S. Angus, ex-professor de Novo Testamento e Teologia Histórica no Saint Andrews College, em Sydney (Austrália), o êxtase experimentado pelo adepto das religiões de mistério levava-o a “uma condição mística inefável em que as funções normais da personalidade eram suspensas e os esforços morais que formavam os caráter eram aliviados ou relaxados, enquanto os esforços emocionais ou intuitivos eram acentuados”.(22) Em outras palavras, o participante chegaria ao estado em que sua mente seria neutralizada, e suas emoções assumiriam o controle. O intelecto e a consciência dariam espaço à paixão, à sensação e à emoção. Isso era o êxtase, uma condição de euforia inebriante. Angus disse mais:

“[O êxtase] podia ser induzido por vigílias ou jejuns, expectativa religiosa, danças de roda, estímulos físicos, contemplação de objetos sagrados, efeito de músicas emocionantes, inalação de vapores, contágio “avivalista” (como ocorreu na igreja de Corinto), alucinação, sugestão e todos os métodos pertencentes ao aparato dos mistérios... [um escritor antigo] fala sobre homens “saindo se si mesmos para se fixarem completamente no divino e serem arrebatados”.(23)

Quando o adepto da religião de mistério experimentava o êxtase, ele era elevado acima do nível comum da experiência a um estado de consciência anormal. Passava pela sensação de prazer que o fazia crer que seu corpo deixava de ser um empecilho à alma.

De acordo com Angus, o êxtase poderia “variar do delírio anormal à conscientização da unidade com o Invisível e à dissolução da individualidade dolorosa, que caracteriza os místicos de todas as eras”.(24) Em outras palavras, o êxtase poderia emancipar a alma do confinamento no corpo e possibilitar a comunhão do indivíduo com o mundo espiritual. Criava uma extraordinária sensação de leveza. Nesse estado, a pessoa detinha supostamente a capacidade de ver e compreender coisas que apenas os olhos espirituais poderiam contemplar.(25)

Testemunhos de crentes pentecostais e carismáticos descrevem exatamente o mesmo tipo de experiências. É claro que, no caso dos carismáticos que passam por estados de euforia, eles atribuem as experiências a certos “dons” do “Espírito Santo”, particularmente o dom de línguas. O testemunho comum é: “É muito bom. Nunca me senti assim antes! ‘Tem’ que ser de Deus”. Entretanto, um bom sentimento significa que a experiência procedeu de Deus? Não necessariamente, como aprenderemos com a experiência dos crentes de Corinto.

VISITA À PRIMEIRA IGREJA DE CORINTO

Quase não há dúvida de que as várias práticas, rituais, atitudes e outros resultados das religiões de mistério infiltraram-se na igreja de Corinto. Com o que se assemelharia uma visita àquela igreja?

Imagine-se visitando, com sua família, essa cidade, no século I, e dirigindo-se à Primeira Igreja de Corinto. Você chega na hora marcada e descobre que as pessoas mais abastadas estavam ali já havia cerca de uma hora e estavam terminando o ágape (cf. 1Co 11.17-22). Não lhe sobrou nada e você percebe que grande número de pessoas pobres que estavam chegando também não tinham nada para comer.

Você observa que os ricos não são apenas glutões (enquanto devoram as últimas porções de comida), mas alguns deles também estão bêbados. Há, portanto, dois grupos: os pobres, sentados de um dos lados da sala, totalmente sóbrios e com o estômago vazio; e as pessoas mais ricas, do outro lado, entupidas de comida e estimuladas pela grande quantidade de vinho. Por causa da divisão, discute-se, e o ambiente não é saudável.


Alguém anuncia o momento da Ceia do Senhor, mas ela também se transforma em zombaria. Quem não tem nada para comer ou beber torna-se glutão. Em seguida, eles passam ao culto, no qual muitas pessoas ficam de pé, gritando e falando ao mesmo tempo. Algumas usam expressões extáticas, enquanto outras tentam entregar profecias e interpretar o que se diz.

Isso descreve aproximadamente a realidade de um domingo comum na Primeira Igreja de Corinto. Agora você entende por que Paulo disse em 1 Coríntios 11.17: “Porquanto vos ajuntais não para melhor, e sim para pior”. O culto inteiro era uma confusão frenética, incoerente e caótica. Paulo escreveu em termos muito contundentes, para tentar restabelecê-los, e usou grande parte da epístola para falar sobre o uso adequado do dom de línguas.

O problema que Paulo enfrentou em Corinto é o mesmo que ainda traz dificuldades para o movimento carismático atual: como diferenciar os dons falsos dos genuínos? Muitos carismáticos dirão que, ao ouvirem alguém se levantar e fazer um pronunciamento em nome de Deus, eles sabem se isso procede de Deus ou não.(26) No entanto, como saber a diferença? Mediante um aspecto: o verdadeiro dom de línguas era a capacidade de falar em uma língua estrangeira (ver Capítulo 10). Nada no Novo Testamento dá a entender que o dom de línguas era um discurso extático. E Deus não concederia um dom semelhante ao engano que Satanás usa para manter as pessoas sob o controle das falsas religiões.

Corinto estava repleta de sacerdotes (e sacerdotisas) pagãos, adivinhos e feiticeiros. Pessoas em vários estados de êxtase afirmavam receber o poder e a inspiração dos deuses. E, visto que a igreja de Corinto se tornara carnal, vários tipos de atividades pagãs lhe foram acrescentadas. Um dos motivos para a fácil assimilação era o fato de que os crentes de Corinto esperavam que o Espírito Santo agisse apenas de forma visível, audível e tangível. Criam que o derramamento do Espírito, prometido em Joel 2.28, apenas começara a cumprir-se; por isso esperavam a ocorrência de fenômenos sobrenaturais.

Os crentes de Corinto sabiam que Jesus falara aos discípulos sobre a vinda do Espírito e que se seguiriam coisas maravilhosas. Sem dúvida, Paulo já lhes falara sobre os acontecimentos surpreendentes no Pentecostes, os primeiros dias da igreja, sobre sua conversão a caminho de Damasco e os sinais impressionantes das duas primeiras viagens missionárias.

Satanás aproveitou-se do entusiasmo daqueles crentes em relação à atuação miraculosa do Espírito Santo. A Primeira Epístola aos Coríntios é uma das cartas mais antigas do Novo Testamento. Ali já existiam problemas preocupantes. Não demorou muito para Satanás enturvar as águas, quando cristãos bem intencionados incorreram em carnalidade, erro e práticas falsas. Grande parte de tudo isso era feito com base na suposição de que todas as ocorrências místicas deviam proceder do Espírito.

–– John MacArthur | O Caos Carismático
–– Fonte 1: Página JP Padilha
–– Fonte 2: https://jppadilhabiblia.blogspot.com/

Um comentário:

  1. Por causa do Pastor Hernanes Dias Lopes for a favor do dízimo é automáticamentr tipo como um falso mestre da nossa geração?
    Todas as igrejas reforçadas são falsas?

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QUEM É O JP PADILHA? QUAL É A SUA PROFISSÃO?

Se você me perguntar o que eu sou, eu lhe responderei: "sou esposo". Se você insistir, lhe responderei: "sou pai"....