CAPÍTULO 1 (PARTE 1): O que é o Dispensacionalismo? | Michael Vlach

Daniel, um menino de nove anos, saiu da sala da escola bíblica dominical explodindo como um cavalo selvagem. Seus olhos corriam em todas as direções enquanto ele tentava localizar o pai ou a mãe. Finalmente, depois de uma busca rápida, ele agarrou seu pai pela perna e gritou: “Pai, essa história de Moisés e de todas aquelas pessoas que atravessaram o Mar Vermelho é ótima!” Seu pai olhou, sorriu e pediu ao menino que ele dissesse tudo que pudesse sobre a história.

“Bem, os israelitas saíram do Egito, mas Faraó e seu exército os perseguiram. Então os judeus correram o mais rápido que podiam até chegarem ao Mar Vermelho. O exército egípcio ia chegando cada vez mais perto. Então Moisés pegou o seu rádio e mandou a Força Aérea de Israel bombardear os egípcios. Enquanto isto, a Marinha israelense construiu uma ponte de barcas para que as pessoas pudessem atravessar. E eles atravessaram!”

O pai está chocado até agora. “Foi assim que eles lhe ensinaram essa história?”

“Bem, não, não exatamente”, Daniel admitiu, “mas se eu contasse para o senhor essa história do jeito que eles nos contaram, o senhor jamais acreditaria, pai”.

Essa é a maneira que muitos acreditam que os dispensacionalistas tratam as profecias bíblicas. Para eles os dispensacionalistas têm de fazer um malabarismo para torná-la crível. Mas nada poderia estar mais longe da verdade do que isso. Com algumas exceções, os dispensacionalistas querem dizer nada mais, nada menos do que aquilo que a Bíblia relata. O plano deste capítulo é definir corretamente o que é o Dispensacionalismo.

Muito tem sido escrito sobre o dispensacionalismo em geral e sobre o premilenismo futurista em particular. A fim de compreender com precisão o dispensacionalismo, é preciso ter uma perspectiva adequada sobre o que esta abordagem teológica envolve na verdade. Assim, este capítulo apresenta as características essenciais ou fundamentais do dispensacionalismo. Estas crenças definem o coração da perspectiva da teologia dispensacionalista que o distingue de outros sistemas teológicos, especialmente a teologia do pacto. A fim de alcançarmos esse objetivo, vamos pesquisar como os principais representantes do dispensacionalismo definiram a teologia dispensacionalista, seguida por uma lista de características únicas que compõem as crenças centrais do dispensacionalismo.

O CONTEXTO RECENTE DO DISPENSACIONALISMO
Em seu livro “Dispensationalism Today” [Dispensacionalismo Hoje], publicado em 1965, Charles Ryrie apresentou três pontos que ele considera essenciais ou o ‘sine qua non’ do dispensacionalismo: (1) uma distinção entre Israel e Igreja, (2) uma abordagem hermenêutica denominada interpretação literal, e (3) a crença de que o propósito de Deus para a história no mundo é a Sua glória [1]. O ‘sine qua non’ de Ryrie foi bem recebido pela maioria dos dispensacionalistas e é frequentemente usado como o ponto de partida para explicar o dispensacionalismo. Por outro lado, os oponentes do dispensacionalismo também lidaram com os achados de Ryrie e os usaram como ponto de partida para criticar a teologia dispensacional.

Em 1988, com seu importante artigo “System of Discontinuity” [Sistemas de Descontinuidade], John Feinberg apresentou seis conceitos “essenciais do dispensacionalismo”: (1) a crença de que a Bíblia se refere a múltiplos sentidos dos termos “judeus” e “semente de Abraão”; (2) uma abordagem hermenêutica que enfatiza que o Antigo Testamento seja tomado em seus próprios termos e não reinterpretado à luz do Novo Testamento; (3) a crença de que as promessas do Antigo Testamento serão cumpridas com respeito à nação de Israel; (4) a crença num futuro distinto para o Israel étnico; (5) a crença de que a igreja é um organismo distinto; e, (6) uma filosofia da história que enfatiza não apenas questões espirituais e soteriológicas, mas também questões sociais, econômicas e políticas.[2]

Apesar de não apresentar uma lista de “essenciais”, Craig Blaising e Darrel Bock forneceram uma lista de “características comuns” do dispensacionalismo em seu livro “Progressive Dispensationalism” [Dispensacionalismo Progressivo], publicado em 1993. Estas características incluem: (1) a autoridade das Escrituras; (2) dispensações; (3) singularidade da igreja; (4) significado prático da igreja universal; (5) significância da profecia bíblica; (6) premilenismo futurista; (7) retorno iminente de Cristo; e (8) um futuro nacional para Israel.[3]

Nem todas as características mencionadas nas listas acima, particularmente a de Blaising e Bock, são exclusivas ao dispensacionalismo. Muitos não-dispensacionalistas, por exemplo, crêem na autoridade das Escrituras, nas dispensações e na significância da profecia bíblica. Alguns não-dispensacionalistas também crêem no premilenismo – sustentam que um futuro reino milenar será estabelecido com a segunda vinda de Cristo. George Ladd, por exemplo, sustenta o premilenismo histórico enquanto argumenta contra o premilenismo dispensacional (futurista). Assim, ser um premilenista não significa necessariamente ser dispensacionalista.

A reivindicação de Ryrie de que uma marca distintiva do dispensacionalismo é a crença de que o propósito da história no mundo é a glória de Deus tem sido controversa. Quando bem compreendido, Ryrie corretamente assinalou que os dispensacionalistas muitas vezes têm uma compreensão mais ampla dos propósitos de Deus do que os não-dispensacionalistas, que frequentemente focam principalmente na doutrina da salvação. Mas a formulação que Ryrie ofereceu não ajuda. Muitos não-dispensacionalistas consideram a glória de Deus com muita seriedade, e, para eles, parece que Ryrie está reivindicando que os dispensacionalistas valorizam a glória de Deus mais do que os não-dispensacionalistas. Mas dizer a um teólogo reformado/aliancista que ele não enfatiza a glória de Deus tanto quanto um dispensacionalista não foi visto com bons olhos. Assim, embora Ryrie estivesse certo de alguma maneira, sua abordagem não foi tão clara quanto poderia ter sido. Creio que John Feinberg foi mais preciso quando indicou que os dispensacionalistas promovem uma filosofia da história que enfatiza as implicações espirituais e físicas do propósito de Deus mais do que seus homólogos não-dispensacionalistas. Os dispensacionalistas enfatizam o completo cumprimento de ambas as promessas, espirituais e físicas, da aliança bíblica.[4] Nesse sentido, creio que dispensacionalistas são mais holísticos em seu entendimento do propósito do reino de Deus do que muitos não-dispensacionalistas.

Após um exame atento, porém, as listas de Ryrie, Feinberg, Blaising e Bock revelam três marcas importantes do dispensacionalismo. Primeira, todas estas listas mencionam a singularidade da igreja como uma característica do dispensacionalismo. Embora possa haver discordância sobre alguns detalhes desta distinção, os dispensacionalistas concordam que a igreja começou em Pentecostes (Atos 2) e não deve ser identificada como Israel.[5] Todos os dispensacionalistas, portanto, rejeitam a “teologia da substituição” ou “supersecionismo”, segundo a qual acredita que a igreja substitui permanentemente a nação de Israel como povo de Deus.

Uma segunda marca de Ryrie, Feinberg e Blaising e Bock indicam que os dispensacionalistas crêem num futuro para a nação de Israel. Dispensacionalistas afirmam que as promessas e as alianças feitas a Israel no Antigo Testamento serão cumpridas futuramente na nação de Israel. Embora os dispensacionalistas possam discordar sobre a medida da participação da igreja nas promessas e alianças no Antigo Testamento, eles estão de acordo que Israel experimentará uma salvação e uma restauração futuras.

Ambos, Ryrie e Feinberg, mencionam uma terceira área – uma abordagem dispensacional para a hermenêutica – como sendo de algum modo um distintivo do dispensacionalismo. Para Ryrie, dispensacionalistas interpretam a Bíblia de uma maneira consistentemente literal (isto é, normal) enquanto que os não-dispensacionalistas não o fazem.[6]

Feinberg crê que Ryrie foi “muito simplista” ao afirmar o assunto dessa maneira.[7] Conforme Feinberg, a questão da hermenêutica “não é assunto fácil”, e ele salienta que muitos teólogos não-dispensacionalistas reivindicam interpretar a Bíblia literalmente. Seu literalismo, porém, difere em pontos da abordagem dos dispensacionalistas. Assim, para Feinberg, “a diferença não é ‘Literalismo versus Não-literalismo’, mas diferentes entendimentos do que constitui a hermenêutica literal”.[8]

De acordo com Feinberg, a diferença reside em três áreas: (1) a relação da revelação progressiva à prioridade de um Testamento sobre o outro; (2) o entendimento e as implicações do uso do Novo Testamento do Antigo Testamento; e (3) o entendimento e implicações da tipologia.[9] Em suma, a diferença principal repousa na forma em como dispensacionalistas e não-dispensacionalistas vêem o relacionamento entre os Testamentos.

A análise de Feinberg parece precisa. A principal diferença entre dispensacionalistas e não-dispensacionalistas sobre o assunto da hermenêutica não é simplesmente uma questão de interpretação “literal” VS “espiritual”, mas em como cada campo contempla o relacionamento entre os testamentos. Como Herbert Bateman coloca, a questão central é o “testamento prioritário”.[10] Testamento prioritário é “uma preferência pressuposicional de um testamento sobre o outro que determina o ponto de partida hermenêutico literal histórico-gramatical de uma pessoa”.[11]

As suposições da prioridade de um testamento por um interprete são significativas especialmente quando se interpreta como os autores do Novo Testamento usam o Antigo Testamento. Os dispensacionalistas querem sustentar um ponto de referência no Antigo Testamento. Querem fazer justiça à intenção autoral original dos escritos do Antigo Testamento, de acordo com a hermenêutica histórico-gramatical. Os não-dispensacionalistas, por outro lado, enfatizam o Novo Testamento como ponto de referência para entender o Antigo Testamento. Feinberg explica a diferença:

Não-dispensacionalistas começam com o ensino do NT como tendo prioridade e então voltam para o AT. Dispensacionalistas frequentemente começam com o AT, mas onde quer que eles comecem, eles exigem que o AT seja tomado em seus próprios termos em vez de uma reinterpretação à luz do NT.[12]

Assim, os não-dispensacionalistas partem do Novo Testamento para entender os textos proféticos do Antigo Testamento. O Novo Testamento é a lente pela qual eles enxergam o Velho Testamento. Isto é o que frequentemente conduz ao entendimento “não literal” de textos do Antigo Testamento, visto que eles crêem que o Novo Testamento emprega sentidos menos que literais de passagens do Antigo Testamento, especialmente nos textos sobre Israel. Em outras palavras, para os não-dispensacionalistas, a interpretação literal do Novo Testamento estabelece um entendimento não-literal de algumas passagens do Antigo Testamento, especialmente aquelas relacionadas com Israel.

– Michael Vlach / Os Planos Proféticos de Cristo - Um guia básico sobre o premilenismo futurista - John MacArthur & Richard Mayhue - Cap. 1, Pág. 17-22


SUMÁRIO: Os Planos Proféticos de Cristo

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