CAPÍTULO 1 (PARTE 2): SEIS CRENÇAS ESSENCIAIS DO DISPENSACIONALISMO | Michael Vlach

Nesta seção apresento as crenças essenciais do dispensacionalismo. Por “essencial” entendo as crenças fundamentais do dispensacionalismo que são centrais e únicas ao sistema, crenças sobre as quais o sistema permanece de pé ou cai. Há também crenças que, se negadas, provavelmente fariam de uma pessoa um não-dispensacionalista. Esta lista leva em consideração a contribuição de Ryrie, Feinberg e Blaising e Bock, mas também ofereço minhas próprias distinções que espero ajudarem na elucidação dessas questões.

1. Revelação progressiva do Novo Testamento não interpreta ou reinterpreta passagens do Antigo Testamento de um modo que cancela o significado original dos escritores do Antigo Testamento como determinados pela hermenêutica histórico-gramatical.

O primeiro ponto é uma questão hermenêutica e, talvez, é o mais fundamental de todos eles. Todos os dispensacionalistas afirmam que o ponto de partida para entender as passagens do Antigo Testamento são as próprias passagens do Antigo Testamento. O significado primário dos textos do Antigo Testamento não são primariamente dependentes da interpretação ou reinterpretação do Novo Testamento. O Novo Testamento pode, com a revelação progressiva, à luz de passagens do Antigo Testamento, oferecer comentários, ou acrescentar aplicações ou referências, mas jamais substitui a intenção original dos escritores do Antigo Testamento. Na revelação progressiva, os escritores do Novo Testamento podem fazer mais na forma de aplicação ou cumprimento com as passagens do Antigo Testamento, mas eles não podem anular ou transferir o significado das passagens do Antigo Testamento de uma forma a irem contra o que os escritores do Antigo Testamento intencionaram. Assim, como afirma Paul D. Feinberg, “O sentido de qualquer predição do A.T. deve ser determinado através da aplicação da hermenêutica histórico-gramatical ao texto”.[13] Bruce A. Ware aplica esse princípio às promessas feitas a Israel:

Não há dúvida de que os profetas pretendiam comunicar a promessa de um retorno nacional de Israel à sua terra. Na medida que nossa hermenêutica é regulada pelo princípio da intenção do autor, nos é dada ampla razão para aceitar este entendimento literal do que Deus, através das profecias, originalmente prometeu para o seu povo Israel.[14]

Vamos considerar uma passagem chave como exemplo. Hebreus 8.8-13, que cita a passagem original da nova aliança de Jeremias 31.31-34, inclui a igreja nas bênçãos espirituais da nova aliança, mas, uma vez que a nova aliança foi originalmente prometida a Israel, o cumprimento final da aliança deve envolver a nação de Israel. O autor de Hebreus inclui a igreja como nas bênçãos da nova aliança, mas ele não exclui a nação de Israel da aliança. Assim, a nova aliança traz nela o elemento “tanto/quanto”, ou seja, tanto Israel quanto a igreja. A igreja está relacionada com a nova aliança (Hb 8.8-13) e Israel será relacionado à nova aliança na segunda vinda de Cristo (cf. Rm 1.25-27). Bock está correto quando afirma que “A inclusão adicional de algo na promessa não significa que o beneficiário original seja assim excluído. A expansão da promessa não significa necessariamente o cancelamento de compromissos anteriores feitos por Deus. O cumprimento da esperança da nova aliança hoje pelos gentios não significa que a promessa feita a Israel em Jeremias 31 tenha sido descartada”.[15]

Esta abordagem é bastante diferente daquela feita pelos não-dispensacionalistas, que frequentemente vêem a nova aliança como sendo totalmente cumprida com a igreja de tal forma que não inclua o Israel nacional. Com este método, as bênçãos físicas e materiais da nova aliança encontram um cumprimento espiritual ou menos literal com a igreja, que é agora o novo ou o verdadeiro Israel”.[16] Assim, não se deve olhar para uma futura inclusão da nação de Israel na aliança.

Este princípio dispensacional de manter a intenção original do autor do texto do Antigo Testamento tem grande importância para as alianças eternas e incondicionais dadas a Israel no Antigo Testamento (Abraâmica, Davídica, Nova). John Feinberg argumenta que alianças incondicionais de Deus com Israel garantem que o Novo Testamento nunca iria introduzir uma idéia na qual Deus não iria cumprir Suas alianças e promessas com Israel, as pessoas com as quais as promessas originais foram feitas. Para isso, Deus teria que se contradizer, o que não é possível. Se uma promessa do Antigo Testamento é feita de modo incondicional a um grupo específico tal como Israel, então a promessa deve ser cumprida com aquele grupo. O progresso da revelação não pode cancelar as promessas incondicionais a Israel. Feinberg declara:

Se uma profecia ou promessa do AT é feita incondicionalmente para determinado povo e ainda não foi cumprida na era do NT, significa que a profecia se cumprirá futuramente. Embora uma profecia dada incondicionalmente a Israel tenha o seu cumprimento na igreja, se o NT a aplicar à igreja, ela também deve ser cumprida para com Israel. O progresso da revelação não pode cancelar promessas incondicionais.[17]

David L. Turner aponta corretamente que “teólogos do pacto e dispensacionalistas discordam sobre a natureza da revelação progressiva”.[18] Ele escreve: “Cada grupo acusa o outro de má interpretação do NT devido aos pressupostos estranhos”.[19 Turner ressalta que dispensacionalistas negam que o Novo Testamento reinterprete as promessas do Antigo Testamento a Israel: “São deles a asseveração de que o NT não fornece qualquer “reinterpretação” da profecia do AT de modo a cancelar as promessas do Antigo Testamento a Israel de um futuro reino histórico. Na visão deles, o uso que o NT faz do AT não modifica radicalmente as promessas do Antigo Testamento a Israel”.[20] Turner argumenta que o entendimento não-dispensacionalista levanta a questão da fidelidade de Deus a Israel: “Se a reinterpretação do NT reverte, anula ou modifica seriamente as promessas do Antigo TESTAMENTO PARA Israel, deve-se imaginar de que forma definir a palavra “progressiva” [na revelação progressiva]. A fidelidade de Deus às Suas promessas a Israel também deve ser explicada”.[21]

Ryrie, também, aponta que o Novo Testamento não contradiz o significado dos textos do Antigo Testamento. Ele afirma: “Uma nova revelação não pode significar revelação contraditória. Uma revelação posterior sobre um assunto não faz a revelação anterior significar algo diferente”.[22] “Se assim fosse”, escreve Ryrie, “Deus teria de ser concebido enganador dos profetas do Antigo Testamento quando revelou a eles um reino nacionalista, sendo que Ele saberia do tempo que reverteria completamente o conceito de revelação posterior”.[23] Para Ryrie, o conceito de “a estrutura superior não substitui a fundação”.[24] Assim, a manutenção da relevância da intenção original do autor de uma passagem do Antigo Testamento é um elemento essencial do dispensacionalismo.

2. Tipos existem, mas Israel nacional não é um tipo substituído pela igreja.

A questão da tipologia tem implicações significativas para a escatologia. Não-dispensacionalistas sustentam que Israel nacional funcionou como um tipo da igreja no Novo Testamento. Uma vez que o maior antítipo (“o cumprimento” do tipo), a igreja, foi revelado, o lugar de Israel como povo de Deus foi transcendido e superado pela igreja.[25]

Dispensacionalistas, também, acreditam em tipos. No entanto, eles adotam uma abordagem diferente para a compreensão de Israel em relação à tipologia. John Feinberg, por exemplo, aponta que a natureza das promessas incondicionais a Israel possuem implicações para a compreensão do relacionamento de Israel com a tipologia. Embora reconhecendo a existência de tipos do Antigo Testamento que prefiguram realidades do Novo Testamento, as pessoas a quem foram feitas as promessas não são tipos.

A incondicionalidade das promessas feitas a Israel garante que o NT não remove implicitamente tais promessas. Leis e instruções civis e cerimoniais do Antigo Testamento são sombras e são explicitamente removidas no NT. Mas as promessas incondicionais não são sombras, como não são os povos a quem elas foram dadas.[26]

Paul Feinberg, também, embora reconhecendo a existência de tipos, não vê Israel como um símbolo da igreja: “Além disso, embora a interpretação histórico-gramatical leve em conta símbolos, tipos e analogias, não vejo evidência de que Israel seja um símbolo para a igreja, a Palestina para a nova Jerusalém, e outros”.[27] Deve-se usar de cautela para determinar quando o Novo Testamento cancela um tipo do Antigo Testamento. Como John Feinberg declara: “Se o antítipo do NT cancela o significado do tipo do AT, o NT precisa nos dizer isso”.[28]

Estariam os dispensacionalistas afirmando que não há conexão tipológica alguma entre Israel e a igreja? Não necessariamente. Saucy, por exemplo, argumenta que a nação de Israel não é um tipo no sentido de que Israel foi transcendido por uma realidade espiritual maior, a igreja. No entanto, ele também acredita que há uma correspondência histórica e teológica entre Israel e a igreja que pode ter implicações tipológicas. Como ele explica, “Se um tipo é entendido como sombra apontando para frente para a realidade de um antítipo, então é questionável se Israel é um tipo”.[29] Por outro lado, se um tipo é visto em termos de uma correspondência entre dois grupos, decorre que, uma ligação tipológica entre Israel e a igreja pode existir:

Se um tipo é definido como uma correspondência histórica e teológica geral, então as muitas analogias entre Israel do Antigo Testamento e o povo de Deus do Novo Testamento podem ser explicadas vendo Israel como um tipo da igreja. Mas a correspondência com as ações de Deus entre Israel do Antigo Testamento nesta compreensão da tipologia não negaria a existência dessa nação no futuro.[30]

Assim, pode haver ligação tipológica entre Israel e a igreja, mas essa conexão não é que a igreja substitui o Israel nacional. Em vez disso, a conexão tipológica é de uma correspondência histórica e teológica que revela uma estreita relação entre Israel e a igreja.

Esta ligação tipológica entre o Antigo e o Novo Testamentos, no entanto, não altera o sentido original das promessas do Antigo Testamento a Israel. David L. Turner explica: “Tipologia genuína e analogia entre AT e NT não devem ser vistas como destrutiva para o cumprimento literal das promessas do AT a Israel, mas sim uma indicação de uma maior continuidade entre Israel e a igreja”.[31] Assim, qualquer que seja a relação tipológica que exista entre Israel e a igreja, esta não pode ser tomada como significando que Israel foi transcendido e superado pela igreja.

3. Israel e a Igreja são distintos, assim, a igreja não pode ser identificada como o novo ou verdadeiro Israel.

Como indicam as listas de Ryrie, Feinberg, e Blaising e Bock, todos os dispensacionalistas estão unidos ao considerar que não se pode equiparar a igreja do Novo Testamento como o novo ou o verdadeiro “Israel”. Pode haver diferenças quando se trata de especificidades da relação entre a igreja e Israel ou a relação exata da igreja com as alianças bíblicas, mas todos os dispensacionalistas rejeitam uma “teologia da substituição” ou “supersessionismo”, em que a igreja do Novo Testamento é vista como a substituição ou cumprimento da nação de Israel como o povo de Deus.[32]

Dispensacionalistas tradicionais e progressistas têm diferenças sobre como vêem a igreja. Dispensacionalistas tradicionais tendem a ver a igreja como um grupo antropológico distinto, enquanto dispensacionalistas progressivos são mais propensos a ver a Igreja como a comunidade soteriológica dos redimidos começando com os acontecimentos de Pentecostes, como descrito em Atos 2.[33] Mas ambos os lados concordam que não há evidências bíblicas que indiquem que a igreja é o novo ou o verdadeiro Israel que substituiu para sempre o Israel nacional como o povo de Deus.

Dispensacionalistas reconhecem que os crentes gentios foram aproximados às alianças de Israel (cf. Ef 2.11-22), mas eles também apontam que o Novo Testamento distingue Israel e a igreja de tal maneira que exclui a idéia de que a igreja agora é identificada como Israel ou que a igreja herda totalmente as promessas e alianças de Israel com a exclusão deste.

Arnold Fruchtenbaum, por exemplo, mostra que o título “Israel” é usado num total de setenta e três vezes no Novo Testamento, mas é sempre usado para judeus étnicos: “Destas setenta e três citações, a grande maioria refere-se ao Israel nacional, étnico. Algumas se referem especificamente aos crentes judeus que ainda são judeus étnicos”.[34] Saucy confirma este ponto quando diz: “A evidência do NT revela que, fora algumas referências em disputa... o nome Israel está relacionado ao povo “nacional” da aliança do AT”.[35] Para os dispensacionalistas é significativo que o Novo Testamento ainda consistentemente se refira à nação de Israel como “Israel”, mesmo após o estabelecimento da igreja. Israel é tratado como uma nação, em contraste com os gentios depois que a igreja foi fundada no dia de Pentecostes (At 3.12; 4.8, 10; 5.21, 31, 35; 21.28). Como Ryrie destaca, “Na oração de Paulo pelo Israel natural (Rm 10.1) há uma clara referência à Israel como um povo nacional distinto e fora da igreja”.[36]

Ryrie argumenta que a ligação feita por Paulo do Israel nacional às alianças e promessas do Antigo Testamento, mesmo enquanto em um estado de descrença, é uma prova de que a igreja não absorveu inteiramente as bênçãos de Israel:

Paulo, obviamente referindo-se ao Israel natural como seus “parentes segundo a carne”, atribui a eles as alianças e as promessas (Rm 9.3-4). O fato de que essas palavras foram escritas após o início da igreja é prova de que esta não rouba Israel de suas bênçãos. O termo Israel continua a ser usado para os descendentes naturais (não espirituais) de Abraão depois que a igreja foi instituída, e não é equiparado com a igreja.[37]

Os dispensacionalistas também argumentam que o livro de Atos mantém uma distinção entre Israel e a igreja. No livro de Atos, tanto Israel como a igreja existem simultaneamente, mas o termo “Israel” é usado vinte vezes e, ekklesia (igreja), dezenove vezes. Mas os dois grupos são mantidos sempre distintos.[38] Assim, o uso contínuo do termo “Israel” para os descendentes físicos de Jacó é evidência de que a igreja não é Israel. Como Saucy explica: “A igreja não é... identificada como ‘Israel’. Eles compartilham uma identidade semelhante como o povo de Deus e desfrutam igualmente as bênçãos da salvação escatológica prometida. Mas essa semelhança não elimina todas as distinções entre eles”.[39] Em suma, a distinção Israel/igreja continua a ser uma característica definidora do dispensacionalismo.

4. Há unidade espiritual na salvação entre Judeus e Gentios e um papel futuro para Israel como nação.

Um dos principais argumentos apresentados contra o dispensacionalismo é que ele não faz justiça à unidade que os judeus e gentios experimentam em Cristo. A ênfase sobre “um novo homem” (Ef 2.15) e “um corpo” (Ef2.16) na Bíblia significa [segundo os não-dispensacionalistas] que não pode haver papel futuro para Israel, uma vez que a unidade em Cristo supostamente exclui qualquer distinção para Israel. Em referência a Efésios 2, Anthony Hoekema declara: “Todo pensamento de um propósito separado para crentes judeus é aqui excluído”.[40] Em relação a Efésios 2.11-15, Raymond Zorn argumenta: “Através do cumprimento da lei por Cristo veio um fim à exclusividade de Israel como uma nação santa e um povo santo”.[41] Wayne Grudem diz que Ef 2 “não apresenta nenhuma indicação de plano distinto para o povo judeu ser salvo fora dessa inclusão no único corpo de Cristo, a igreja”.[42] Segundo os não-dispensacionalistas, parece improvável que Deus juntaria judeus e gentios somente para fazer uma distinção entre os dois grupos no futuro. Fazer isto parece ser um retrocesso. Como Hoekema declara, é como colocar os andaimes de volta em um edifício acabado:

Sugerir que Deus tem em mente um futuro separado para Israel, em distinção do futuro que ele tem planejado para os gentios, na verdade vai contra o propósito de Deus. É como colocar os andaimes de volta depois que o edifício foi concluído. É como voltar o relógio da história aos tempos do Antigo Testamento. É impor a distinção do Antigo Testamento sobre o Novo Testamento e ignorar o progresso da revelação.[43]

Uma crença fundamental do dispensacionalismo, porém, é que a unidade espiritual entre crentes judeus e gentios não cancela distinções funcionais ordenadas por Deus entre grupos, tais como Israel e a igreja. Por exemplo, no campo da bênção da salvação e posição diante de Deus, os crentes gentios são iguais aos crentes judeus. No entanto, a unidade salvífica entre judeus e gentios não apaga as distinções étnicas ou funcionais entre os dois grupos. Como Carl Hoch declara:

Os comentários de Paulo em Efésios, no entanto, excluem qualquer prioridade salvífica para Israel na estrutura eclesiológica do novo homem... No entanto, embora não haja mais vantagem salvífica, ainda há uma distinção étnica entre judeus e gentios. Paulo continua a falar de judeus e gentios como grupos étnicos distintos em suas cartas (Rm 1.16; 9.24; 1Co 1.24, 12.13. Gl 2.14,15).[44]

Essa crença dispensacional que a igualdade salvífica não exclui distinções funcionais é vista em outros exemplos na Escritura. Por exemplo, de acordo com Gálatas 3.28, homens e mulheres participam igualmente nas bênçãos da salvação, mas a Bíblia ainda ensina que eles têm diferentes funções (cf. 1Tm 2.9-15). Assim, no caso de homens e mulheres, a unidade salvífica não anula distinções funcionais. O mesmo é verdade para os presbíteros e não-presbíteros em uma igreja. Ambos são iguais em essência e compartilham as mesmas bênçãos espirituais, mas os presbíteros têm um papel distinto no plano de Deus (cf. Hb 13.17). Poderia ser estabelecida a mesma distinção entre pais e filhos ou até mesmo na própria Trindade, em que há igualdade de essência entre eles e ainda distinções funcionais dentro desta unidade. Assim, a igualdade em essência e bênçãos espirituais não anula distinções funcionais. Como Saucy escreve:

A união de judeus e gentios na igreja não descarta a possibilidade de distinção funcional entre Israel e as outras nações no futuro – da mesma forma que existem distinções funcionais entre os crentes na igreja hoje em meio a igualdade espiritual.[45]

Assim, quando se trata da questão da unidade salvífica entre crentes judeus e gentios e um papel futuro de Israel num reino milenar, o dispensacionalista diz: “Sim, trata-se de uma situação do tipo tanto um/como o outro”.

5. A nação de Israel será salva, restaurada com uma identidade e função singulares num futuro reino milenar sobre a terra.

Os dispensacionalistas frequentemente não tem explicado bem este ponto, mas ele é extremamente importante.[46] Muitas vezes os dispensacionalistas afirmam que a crença em “um futuro para Israel” ou “a salvação de Israel” é uma característica distintiva do dispensacionalismo. Mas estas declarações não são específicas o suficiente para definir o dispensacionalismo. Muitos não-dispensacionalistas também afirmam as duas idéias acima. De fato, um bom número de não-dispensacionalistas, incluindo muitos pós-milenistas e alguns amilenistas, acreditam em uma salvação literal de Israel com base nas palavras de Paulo em Romanos 11.26 que “todo o Israel será salvo”. Esta opinião foi defendida por muitos dos teólogos da era patrística. Mais recentemente, esse entendimento de Romanos 11.26 foi promovido por Handley C. G. Moule, John Murray, Leon Morris, F. F. Bruce e Wayne Grudem.[47] Portanto, não é suficiente afirmar que a crença numa salvação futura de Israel é estritamente uma visão dispensacional.

O que distingue todos os dispensacionalistas, no entanto, é que eles acreditam não só na salvação de Israel; eles também acreditam em uma restauração de Israel. O conceito de restauração certamente inclui a idéia de salvação, mas vai além disso. “Restauração” envolve a idéia de Israel sendo reinstalado como uma nação em sua terra, com uma identidade específica e o papel de servir as nações. Em outras palavras, em um reino literal terreno – um milênio – a nação de Israel desempenhará um papel funcional de serviço para as nações. Este ponto é algo que todos os dispensacionalistas afirmam ao passo que todos os não-dispensacionalistas negam. Mesmo premilenistas históricos, que concordam com os dispensacionalistas em relação às questões de salvação nacional de Israel e um futuro reino milenar, irão discordar com a idéia dispensacionalista de que Israel será restaurado com uma identidade e função únicas que sejam distintas da igreja. Assim, há uma distinção entre dizer que a nação de Israel será salva na igreja e dizer que a nação de Israel será salva e restaurada com uma identidade e função únicas num milênio terreno. Dispensacionalistas afirmam o último.

6. Há múltiplos sentidos da “semente de Abraão”. Assim, a identificação da igreja como “semente de Abraão” não cancela as promessas de Deus para a “semente de Abraão” judaica crente.

Gálatas 3.7 afirma que os que exercem fé são “filhos de Abraão”. Gálatas 3.9 também declara que aqueles que pertencem a Cristo são “descendentes de Abraão” e “herdeiros conforme a promessa”. Não-dispensacionalistas têm argumentado que uma vez que os gentios são “filhos” e “descendentes” (ou “semente”) de Abraão, eles também devem ser judeus espirituais.[48] Dispensacionalistas, porém, contestam esse entendimento. Eles o fazem desafiando a idéia de que ser um “filho” ou “semente” de Abraão torna alguém automaticamente um judeu. Saucy, por exemplo, afirma que a paternidade de Abraão vai além de ser o pai de Israel étnico, uma vez que Abraão confiou em Deus antes de ser reconhecido como um Hebreu:

Se Abraão fosse apenas o pai de Israel, temos de concluir que os gentios que agora são uma parte desta semente são, portanto, uma parte de Israel. Mas de acordo com o Novo Testamento, Abraão é mais do que isso, é retratado como o pai de ambos os povos, Israel e gentios. Com base no fato de Abraão ter sido um crente, antes de ser reconhecido como um hebreu – o apóstolo Paulo declarou que ele é “o pai de todos os que crêem, mas não foram circuncidados... e... também o pai do circuncidado” (Rm 4.9-12; cf. v 16).[49]

Como resultado, “O fato de que a verdadeira semente de Abraão inclui judeus e gentios não descarta uma distinção contínua para Israel no Novo Testamento. Também não deve o fato dos gentios serem chamados como a semente de Abraão ser interpretado como a formação de um “novo Israel espiritual”, que substitui a nação de Israel do Antigo Testamento”.[50]

Dispensacionalistas têm argumentado que o conceito de “descendência de Abraão” é usado de várias maneiras diferentes no Novo Testamento. Fruchtenbaum, por exemplo, lista quatro sentidos da “semente de Abraão”. Primeiro, ele diz que pode se referir àqueles que são descendentes biológicos de Abraão. Em segundo lugar, pode referir-se ao Messias, que é a semente individual, singular de Abraão. Terceiro, pode se referir ao remanescente justo de Israel (cf. Is 41.8 com Rm 9.6). Em quarto lugar, ele pode ser usado num sentido espiritual para os crentes judeus e gentios (Gl 3.29).[51] É neste último sentido, o sentido espiritual, que crentes gentios são descendentes de Abraão. John Feinberg também distingue entre um sentido físico e um sentido espiritual de ser uma semente de Abraão. Conforme ele, nenhum supersessionista sustenta que “nenhum sentido (sobretudo espiritual) é mais importante do que qualquer outro, e que nenhum sentido anula o significado e implicações dos outros sentidos”.[52] Consequentemente, a aplicação dos títulos “filhos de Abraão” ou “semente de Abraão” não significa que os crentes gentios são judeus ou parte do Israel espiritual.[53]

Juntos, esses seis pontos acima mencionados constituem o fundamento da teologia dispensacionalista. É sobre esses seis pontos que eu acredito que o dispensacionalismo permanece de pé ou cai.

 – Michael Vlach / Os Planos Proféticos de Cristo - Um guia básico sobre o premilenismo futurista - John MacArthur & Richard Mayhue - Cap. 1, Pág. 22-32

SUMÁRIO: Os Planos Proféticos de Cristo

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