CAPÍTULO 1 – A DOUTRINA ACERCA DAS ESCRITURAS (Bibliologia)



“Quando a Palavra de Deus é negligenciada, a religião pura e verdadeira desaba. Quando ela desaba ninguém pode, nem será salvo”. – Erasmus Sarcerius (1501 - 1559)

INTRODUÇÃO

A Bíblia é a única base da doutrina cristã. Por isso, se o conceito formulado sobre as Escrituras for errado, todas as outras doutrinas serão afetadas de modo negativo.

Daí percebe-se a importância da concepção sadia da Bíblia. Quando ela não é considerada do modo como exige, não pode servir de base para a conservação da “sã doutrina” (Tt 2.1).

Intimamente ligada à doutrina está a vida diária do cristão. O comportamento do crente deve ser um exemplo de doutrina posta em prática. Portanto, se uma pessoa não tiver uma ideia correta acerca da Bíblia, isso também influenciará o seu modo de andar.

Com efeito, a Bíblia deve ser para o cristão um manual de padrões para a vida. Se não for assim, o homem estará à mercê dos seus próprios modos errados e pecaminosos de pensar, os quais fatalmente o conduzirão à ruína.

Deve ser lembrado que há pessoas que, apesar de professarem um conceito sadio da Bíblia, vivem em desacordo com isso. É claro que essas pessoas envergonham o Evangelho. Suas vidas espirituais são um verdadeiro fracasso.

A REVELAÇÃO

Revelação é, basicamente, o desvendamento de algo que era desconhecido ou a manifestação de alguma coisa que estava escondida. No contexto judaico-cristão essa palavra é usada para se referir à comunicação que Deus faz de si mesmo e da sua vontade. Assim, em termos teológicos, a revelação é um processo por meio do qual Deus desvenda ao homem seu caráter e seus desígnios. O resultado desse processo também é chamado de revelação.

Para fins de estudo, a revelação de Deus se divide em dois aspectos:

A revelação geral: Refere-se ao testemunho que Deus dá si mesmo a todos os homens por meio da criação (Rm 1.19-20), da sua providência na história (At 14.15-17) e da consciência humana (Rm 2.14-15). A revelação geral alcança todos os homens em todos os lugares (Sl 19.1-6), mas não tem conteúdo redentor. O máximo que ela faz é expor alguns atributos de Deus, tornando os homens indesculpáveis por rejeitá-lo (Rm 1.20-23).

A revelação especial ou específica:
 Refere-se ao desvendamento do caráter e do plano de Deus na história da redenção (Sl 78; 107), na pessoa de Cristo (a expressão máxima da revelação – Jo 1.18; 14.9; Cl 1.15; 2.9; Hb 1.1-3) e nas Escrituras Sagradas (2Tm 3.16; 2Pe 1.20-21). A revelação especial tem conteúdo salvífico, ou seja, é possível alguém compreender o plano redentor de Deus por meio dela (2Tm 3.15). Contudo, ainda que destinada a todos, a revelação especial alcança efetivamente um número limitado de pessoas.

A INSPIRAÇÃO

Conforme visto, a Bíblia compõe a revelação especial de Deus, tendo sido inspirada por ele. Quando se diz que a Bíblia é inspirada por Deus, isto significa que o Espírito Santo supervisionou aquilo que os autores bíblicos escreveram nos autógrafos, isto é, nos escritos originais (as cópias não foram inspiradas) de tal modo que eles o fizeram sem cometer qualquer erro. Deus não ditou as palavras da Bíblia (apenas poucas partes foram provavelmente ditadas – e.g., a Lei), nem tampouco os autores bíblicos entraram em estado de êxtase para escrever os livros.

O que Deus fez na realidade foi mover (2Pe 1.21) ou dirigir os escritores para que compusessem sua revelação usando suas personalidades, culturas e faculdades mentais. Desse modo, pode-se dizer que Deus falou através do homem (Mt 1.22; 2.15;1Co 14.37).

É importante destacar que não é correto dizer que os autores bíblicos foram inspirados por Deus. O termo “inspirados” se aplica apenas aos livros bíblicos. Seus autores foram movidos ou impelidos (Gr. ferómenoi) pelo Espírito Santo. Alguns textos bíblicos que servem de base para esse ensino são Mateus 5.18; 22.43; 2Timóteo 3.16; 2Pedro 1.20-21 e Hebreus 1.1.

Hoje não existe nenhum fragmento sequer dos escritos originais. Todos se perderam ao longo dos séculos. O que se tem agora são cópias, a maioria delas preparada por homens zelosos e habilidosos. Para se chegar ao texto original um trabalho científico denominado crítica textual tem sido realizado nessas cópias e em fragmentos delas. Graças à ação de Deus em preservar sua Palavra (1Pe 1.24-25) e aos esforços da crítica textual, o conteúdo dos autógrafos foi mantido acessível com precisão praticamente total.

O crente deve ter sempre em mente que a Bíblia, por ser divinamente inspirada, é:

Inerrante: Não há erros na Bíblia, seja no campo da ciência, da geografia, da história ou da filosofia (Jo 10.35; 17.17).

Infalível: O que a Bíblia ensina não conduz as pessoas ao erro. Nos caminhos e soluções que prescreve, ela nunca falha, de modo que a pessoa que a obedece pode caminhar segura, sabendo que está seguindo um mapa que a leva na direção certa. Ademais, suas promessas e profecias nunca falham. O que ela diz acerca do amanhã, certamente se cumprirá (Nm 23.19; Sl 119.9,11; Mt 5.18; Tt 1.2).

Além disso, uma vez que Deus a destinou a criaturas inteligentes com o objetivo de lhes transmitir verdades essenciais, a Bíblia também é interpretável. Isso significa que há um sentido específico (e não vários!) em cada porção do texto sagrado. Esse sentido pode ser descoberto por meio do emprego das regras normais de hermenêutica, usadas, inclusive, pelo próprio Cristo (Mt 22.41-46).

É verdade que há trechos difíceis de entender, mas isso não autoriza ninguém a dar ao que foi escrito o sentido que achar mais conveniente, distorcendo as Escrituras (2Pe 3.15-16). Antes, o leitor deve buscar o significado pretendido pelo autor sagrado, sabendo que esse significado é claro na maioria das vezes e compõe a mensagem do próprio Deus ao homem.

Por ser inspirada, inerrante, infalível e interpretável, somente a Bíblia pode ensinar o que é correto acerca do Deus único e verdadeiro. Assim, qualquer crença que a rejeite jamais poderá levar o homem ao real conhecimento da divindade.

A CANONICIDADE

Sendo inspirados por Deus, os livros da Bíblia são dotados de canonicidade. O termo “cânon” vem do hebraico (qaneh) e do grego (kánon) e significa, basicamente, vara de medir ou régua. Com o tempo, essa palavra passou a ter um significado mais amplo, indicando também uma norma ou padrão de qualquer natureza (Gl 6.16).

Assim, quando se afirma que um livro é canônico, isso significa que deve ser usado como uma régua para “medir” a validade do que o homem crê e faz.

Deve ficar bem claro que a canonicidade dos livros bíblicos não lhes foi imposta por homens. O fato de Deus tê-los produzido usando o processo da inspiração visto acima é que lhes confere canonicidade. Os homens simplesmente reconheceram essa qualidade presente nos livros bíblicos desde a sua produção. Aliás, mesmo os escritores bíblicos tinham consciência da autoridade de seus escritos por serem revelação de Deus. Isso se pode ver, por exemplo, em 2Samuel 23.2; 1Coríntios 2.13 e 14.37.

Para reconhecer um livro como canônico foram usados os seguintes critérios:

Autoria profética ou apostólica: Para ser reconhecido, o livro deveria ser escrito por um profeta, por um apóstolo ou por alguém sob a autoridade de um apóstolo (por exemplo, Marcos escreveu seu evangelho sob a autoridade do apóstolo Pedro).

Aceitação: Para ser reconhecido, o livro tinha que ter ampla aceitação entre o povo de Deus. O reconhecimento da igreja em geral foi considerado fator muito importante, uma vez que o Senhor manifesta sua direção por meio do povo santo.

Conteúdo: Para ser reconhecido, o livro tinha que mostrar harmonia doutrinária com a ortodoxia já fixada. Livros que apresentassem desvios ou negação de doutrinas consagradas foram rejeitados.

Inspiração: Para ser reconhecido, o livro tinha que dar evidências de origem divina, falando com autoridade e apresentando valores morais e espirituais elevados, próprios de uma obra inspirada pelo Espírito Santo.

O CÂNON

Enquanto o termo canonicidade se aplica a uma qualidade sobrenatural dos livros bíblicos, a palavra “cânon” é usada para se referir ao conjunto de livros que compõem tanto o Antigo como o Novo Testamento.

A Bíblia é composta por 66 livros. Dessas obras, 39 fazem parte do Antigo Testamento e 27 do Novo. Os livros do Antigo Testamento são classificados da seguinte maneira:

CLASSIFICAÇÃO DOS LIVROS BÍBLICOS

PENTATÊUCO: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio (São os cinco livros de Moisés).

HISTÓRICOS: Josué, Juízes, Rute, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis, 1 e 2 Crônicas, Esdras, Neemias e Ester.

POÉTICOS: Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes e Cantares (Os livros de Provérbios e de Eclesiastes são também chamados de Sapienciais).

PROFÉTICOS: Isaías, Jeremias, Lamentações de Jeremias, Ezequiel, Daniel, Oseias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias (Lamentações de Jeremias foi escrito na forma de poesia).

EVANGELHOS: Mateus, Marcos, Lucas e João.

ATOS (Foi escrito por Lucas)

EPÍSTOLAS PAULINAS: Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, 1 e 2 Tessalonicenses, 1 e 2 Timóteo, Tito e Filemom.

EPÍSTOLAS GERAIS: Hebreus, Tiago, 1 e 2 Pedro, 1,2 e 3 João e 1 Judas.

APOCALIPSE (Foi escrito por João)

O judaísmo ortodoxo não aceita os livros do Novo Testamento. Já o catolicismo romano, desde o Concílio de Trento (1545-1563), recepciona os livros apócrifos que são 13 obras (incluindo fragmentos de livros) escritas durante a época do Império Grego (também chamado de período interbíblico) e que não são reconhecidas nem pelo judaísmo, nem pelo protestantismo.

O termo “apócrifo” significa “oculto” e os livros sob essa designação são os seguintes: 1 e 2 Esdras, Tobias, Judite, adições a Daniel (Salmo de Azarias, Cântico dos Três Jovens, História de Susana, Bel e o Dragão), adições a Ester, Oração de Manassés, Epístola de Jeremias, Baruque, Eclesiástico (Siraque), Sabedoria de Salomão e 1 e 2 Macabeus. Alguns manuscritos da Septuaginta incluem 3 e 4 Macabeus e os Salmos de Salomão.

A CONCEPÇÃO DE JESUS ACERCA DAS ESCRITURAS

Jesus expressou uma concepção extremamente elevada das Escrituras. No tocante a isso, os Evangelhos mostram o seguinte:

1. Jesus usou a Escritura para repudiar as tentações de Satanás (Mt 4.1-11).
2. Jesus realçou a perenidade da Lei Mosaica e dos Profetas (Mt 5.17-18), tornando esses escritos comparáveis às suas próprias palavras (Mt 24.35).
3. Jesus destacou que o testemunho de todo o Antigo Testamento acerca dele se cumpriria (Lc 24.44).
4. Jesus aprovou a visão de que nas Escrituras se encontra a vida eterna (Jo 5.39).
5. Jesus afirmou que o Espírito Santo falou através dos autores bíblicos (Mc 12.36).
6. Jesus aceitou a historicidade de eventos bíblicos considerados questionáveis na atualidade (Mt 12.39-41; Mc 10.6; Lc 17.26-27; Jo 6.49).
7. Jesus defendeu a inerrância (ou, talvez, a integridade. Cp. Tg 2.10) da Escritura dizendo que ela não pode ser desmembrada (Jo 10.35).
8. Jesus  destacou a  importância  de  se  conhecer  profundamente  a  Escritura  (Mt 22.29).
9. Jesus valorizou detalhes gramaticais e palavras específicas do texto bíblico (Mt 5.18; 22.31-32, 43-45).
10. Jesus garantiu a composição inerrante do Novo Testamento, dizendo que enviaria o Consolador que guiaria os apóstolos nessa tarefa (Jo 14.26; 16.12-15).

A ILUMINAÇÃO

Iluminação é o ministério do Espírito Santo de capacitar o homem que é alcançado por sua graça a compreender a revelação escrita de Deus.

Essa obra é necessária porque as verdades da Palavra pertencem a uma dimensão que está muito acima do alcance da mente humana (Is 55.8-9), sendo conhecida somente pelo Espírito (1Co 2.11). Por isso, sem o auxílio do Senhor não há como o homem acolher o que foi revelado (Lc 24.44-45; 1Co 2.12).

Pra piorar a situação, Satanás cega o entendimento das pessoas, impedindo--as de compreender o evangelho (2Co 4.3-4). É por causa disso que os incrédulos, não tendo a ação iluminadora do Espírito, não conseguem entender nem mesmo as verdades espirituais mais elementares (1Co 2.14).

A iluminação do Espírito Santo na mente do homem por ele favorecido é iniciada, assim, ao tempo da conversão, quando o conhecimento da pessoa é aclarado, passando ela a enxergar as realidades espirituais do evangelho (At 16.14; 2Co 3.15-16; 4.6; Hb 10.32). A partir daí, a ação do Espírito Santo de trazer luz à mente do crente prossegue (Ef 1.17-19), fazendo-o entender mais e mais a verdade revelada e também levando-o à aceitação dela, fatores essenciais para o crescimento na vida cristã (2Co 3.18; Cl 1.9-10).

CUIDADO! VENENO!

Liberalismo teológico: Ensina que a revelação de Deus acontece por meio de fatos que se situam dentro da ordem natural das coisas. Segundo os liberais, os escritores antigos testemunharam esses fatos e os interpretaram como milagres, adicionando-lhes uma dimensão sobrenatural inexistente. Por isso, as descobertas da ciência, da filosofia e da psicologia da religião devem ser usadas para corrigir as ideias distorcidas dos autores bíblicos, removendo do texto bíblico tudo que é mitológico (demitização ou desmitologização).

Neo-ortodoxia:
Ensina que Deus só pode ser conhecido quando sua Palavra viva, o Cristo eterno, se encontra pessoalmente com o indivíduo. A Bíblia descreve essa experiência na vida de vários de seus personagens e assinala o caminho para esses encontros existenciais. Dessa forma, as Escrituras contêm testemunhos da revelação divina feita a homens do passado e, na medida em que servem para levar o indivíduo a um encontro com Deus, são revelação também hoje. Há, assim, dois momentos de revelação: um passado (as experiências registradas na Bíblia) e um presente (desde que, lendo a Bíblia, o homem tenha um encontro com Deus).

Movimentos sectários e heréticos: A seitas e os movimentos heréticos que se dizem cristãos geralmente adotam um livro além da Bíblia, atribuindo-lhe o mesmo grau de autoridade que dizem reconhecer nas Escrituras. É assim com os mórmons que creem na natureza sacrossanta do Livro de Mórmon. É assim também com os Adventistas do Sétimo Dia que consideram como proféticos os escritos de Hellen G. White. Outros movimentos heréticos põem certas pessoas, entidades ou tradições no mesmo pé de igualdade das Escrituras. Esse é o caso do romanismo que confere autoridade divina à sua tradição e também ensina a doutrina da infalibilidade papal. Também é o caso das Testemunhas de Jeová que consideram o conselho que as preside, o chamado Corpo Governante, como detentor de autoridade sobrenatural. Na prática, ainda que digam estar sujeitos à Bíblia, esses movimentos tendem a situar seus livros e líderes muito acima das Escrituras.

“O conhecimento aprofundado da Bíblia vale mais do que um diploma universitário”. – Theodore Roosevelt

Traduções espúrias: O fato de existirem milhares de manuscritos bíblicos antigos faz com que pequenas diferenças surjam entre um e outro. São as chamadas variantes textuais. Ao lidar com essas variações, nem sempre o trabalho da crítica textual é conclusivo, o que faz com que os tradutores da Bíblia tenham eventualmente que escolher qual texto deverão adotar em seu trabalho. Ocorre, porém, que não raro os tradutores divergem em suas opções, o que faz com que traduções diferentes apareçam. Outras vezes, o leque de significado de um termo ou de uma expressão hebraica ou grega é muito amplo e o tradutor tem que escolher a alternativa que acredita ser a melhor. Naturalmente, nem sempre os tradutores fazem a mesma opção e, mais uma vez, traduções bíblicas distintas aparecem (ARA, ARC, ACF, NVI, NTV...). Nada disso é condenável ou errado. Na verdade, dificuldades assim são comuns em qualquer esforço de transmitir a mensagem dada em uma língua por meio de outra totalmente diferente. Ademais, é preciso lembrar que, mesmo havendo um campo textual que admita diferentes traduções, esse campo é limitado e jamais afeta a mensagem central das Escrituras. O que se deve evitar, porém, são as traduções espúrias, ou seja, traduções que, sem a menor base textual, gramatical ou semântica, fazem acréscimos e alterações na Bíblia com o fim (às vezes declarado!) de transmitir conceitos errados e até blasfemos. É o caso da versão Novo Mundo das Escrituras Sagradas (NM), tradução feita pelas Testemunhas de Jeová. Essa tradução remove ou altera descaradamente qualquer expressão que aponte para a divindade de Cristo ou do Espírito Santo. Há também traduções feministas que evitam a referência a Deus como Pai e chamam Cristo de “a criança de Deus”, em vez de Filho. São as chamadas versões com “linguagem inclusiva”. Em tempos recentes, até mesmo paráfrases repletas de gírias e palavrões (e.g., Bíblia Free Style) têm sido preparadas sob o pretexto de alcançar pessoas que usam esse tipo de linguagem. Esses esforços, porém, sequer podem ser chamados de traduções, posto que em nada reproduzem a real mensagem do texto sagrado para a língua a que se propõem traduzi-la.

Continua em: CAPÍTULO 2 – A DOUTRINA ACERCA DE DEUS (Teontologia)

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PEQUENO MANUAL DE DOUTRINAS BÁSICAS | Marcos Granconato

APRESENTAÇÃO



Embora contenha a Santa Escritura uma doutrina perfeita, a que nada se pode acrescentar, pois que aprouve a Nosso Senhor revelar os infinitos tesouros de sua sabedoria, entretanto, a pessoa que não seja bastante experimentada no seu manuseio e entendimento necessita de certa orientação e ajuda, para saber que deva nela buscar a fim de não vaguear incerta, ao contrário, alcance rota segura que lhe faculte atingir sempre o fim a que a convoca o Santo Espírito.

João Calvino, Institutas da Religião Cristã.

Prefácio à Edição Francesa de 1541


O famoso pai da igreja João Crisóstomo disse certa vez com a propriedade que lhe era peculiar: “Quando a vida é corrompida, ela concebe uma doutrina que combina com ela.” Certamente Crisóstomo não ficaria indignado se eu de certo modo invertesse a sua máxima para afirmar outra verdade do mesmo porte: “Quando a doutrina é corrompida, ela concebe uma vida que combina com ela.”

Foi movido pela preocupação com esta última verdade que preparei, em 1987, este pequeno manual de doutrinas. Procurei produzir algo de fácil compreensão, com várias ilustrações, a fim de que o conhecimento das principais doutrinas da fé cristã não se tornasse propriedade de qualquer número de pessoas que não representasse a totalidade dos membros da igreja. Não ouso afirmar que atingi este propósito na íntegra, pois a sã doutrina, por ser extremamente rica, nem sempre pode ser apresentada satisfatoriamente com palavra superficiais.

De qualquer modo, eis aqui nosso manual. Sua ampla aceitação em minha própria igreja me encorajou a levá-lo ao povo evangélico em geral, chegando a ser produzido em quatro edições distintas e adotado como material didático em várias igrejas, grupos de discipulado e seminários teológicos espalhados pelo Brasil. Minha sincera expectativa é que esta nova edição revista e ampliada seja ainda mais útil na trasmisssão da doutrina cristã à igreja tão carente do nosso país.

De maneira nenhuma é meu intento apresentar este livro como algo original. A própria ideia de preparar um livreto para o ensino dos crentes é antiga na história da igreja cristã. Na verdade, já no século II, manuais de ensino prático eram usados pelos cristãos sendo o Didaquê o exemplo clássico disso.

A falta de originalidade em nosso livreto não se limita, contudo, à ideia de prepará-lo, mas se estende também, e de modo necessário, ao seu conteúdo. O que se encontra aqui é baseado nos diversos livros alistados na bibliografia ao final, os quais devem ser consultados caso o estudante tenha o desejo de se aprofundar mais no estudo da doutrina bíblica.

 

O que temos à mão é algo modesto. Apesar disso, é um trabalho que requereu o auxílio de pessoas a quem eu sou grato. Dentre elas quero destacar o nome do Pr. Thomas Tronco dos Santos que deu ao manual um formato mais estético e didático. Também detaco o esforço do meu querido irmão na fé Leandro Boer que preparou cuidadosamente cada uma das ilustrações, sempre preocupado em fazer delas ferramentas eficazes para a apreensão e memorização das verdades ensinadas. Eu sei que o Senhor recompensará o trabalho dedicado desses homens.

É com bastante alegria que entrego o PEQUENO MANUAL DE DOUTRINAS BÁSICAS aos evangélicos do nosso país, na esperança de que ele possa ser usado, conforme disse um teólogo amigo, “em defesa da fé histórica, atual e relevante”.

 

Marcos Granconato

 

Soli Deo gloria

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CAPÍTULO 1 – A DOUTRINA ACERCA DAS ESCRITURAS (Bibliologia)

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PEQUENO MANUAL DE DOUTRINAS BÁSICAS | Marcos Granconato

PEQUENO MANUAL DE DOUTRINAS BÁSICAS | Marcos Granconato

ÍNDICE

APRESENTAÇÃO

● CAPÍTULO 1 – A DOUTRINA ACERCA DAS ESCRITURAS (Bibliologia)

● CAPÍTULO 2 – A DOUTRINA ACERCA DE DEUS (Teontologia)

● CAPÍTULO 3 – A DOUTRINA ACERCA DE CRISTO (Cristologia)

● CAPÍTULO 4 – A DOUTRINA ACERCA DO ESPÍRITO SANTO (Pneumatologia)

● CAPÍTULO 5 – A DOUTRINA ACERCA DO HOMEM (Antropologia)

● CAPÍTULO 6 – A DOUTRINA ACERCA DO PECADO (Hamartiologia)

● CAPÍTULO 7 – A DOUTRINA ACERCA DA SALVAÇÃO (Soteriologia)

● CAPÍTULO 8 – A DOUTRINA ACERCA DA IGREJA (Eclesiologia)

● CAPÍTULO 9 – A DOUTRINA ACERCA DOS ANJOS (Angelologia)

● CAPÍTULO 10 – A DOUTRINA ACERCA DAS ÚLTIMAS COISAS (Escatologia)

Vontade Preceptiva e Vontade Decretiva | JP Padilha



É necessário entender que existem, no caráter soberano de Deus, duas vontades, porém, com um único intuito: Glorificar o seu nome. Quais são essas DUAS VONTADES? Vontade Preceptiva e Vontade Decretiva:

O que a Bíblia quer dizer quando fala da vontade de Deus? Deus sempre impõe sua vontade? Pode a vontade de Deus ser resistida ou frustrada? Considere os seguintes textos:

“Bem sei que tudo podes, e que nenhum dos teus planos pode ser frustrado” (Jó 42.2).

“Todos os moradores da terra são por ele reputados em nada; e, segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?” (Dn 4.35).

“No céu está o nosso Deus e tudo faz como lhe agrada” (Sl 115.3; cf Ef 1.11).

Todavia, a Bíblia também diz que a vontade de Deus é que todos os homens sejam salvos (1Tm 2.4) e que todos cheguem ao arrependimento (2Pe 3.9). Como podemos reconciliar essas duas declarações aparentemente contraditórias às mensagens relacionadas aos seus decretos eternos? Uma resposta é encontrada na distinção entre a vontade preceptiva de Deus e sua vontade decretiva.

Considere Êxodo 4.21-23 e a dureza do coração de faraó. Deus, através de Moisés, ordenará que Faraó deixe o povo ir. Esta é a vontade preceptiva de Deus, isto é, sua vontade de preceito ou ordem. Ela é o que Deus diz que deveria acontecer. Podemos também chamar isso de vontade revelada de Deus ou de vontade moral. Mas Deus também diz que endurecerá o coração de Faraó, de sorte que Faraó recusará a ordem de deixar o povo ir. Esta é a vontade decretiva de Deus, ou seja, sua vontade de decreto ou propósito. Neste ponto estamos lidando com metafísica; com coisas que acontecem nos lugares celestiais, onde o homem não tem acesso. O que Deus decretou acontecerá. A vontade decretiva de Deus é também conhecida como sua vontade oculta, ou vontade soberana ou vontade eficiente. Assim, o que vemos [em Êxodo] é que Deus ordena que Faraó faça algo que a vontade do próprio Deus não permite. A boa coisa que Deus ordena Ele impede. E aquilo que Ele decreta que aconteça envolve pecado.

Assim, a vontade decretiva de Deus refere-se ao secreto, tudo que engloba seu divino propósito de acordo com o que Ele predestinou, seja o que for que venha a acontecer. Sua vontade preceptiva refere-se às ordens e proibições nas Escrituras. Alguém necessita contar com o fato de que Deus muitas vezes decreta aquilo que Ele mesmo proibiu. Ou seja, a sua vontade preceptiva é uma ordem de que o evento X deve ocorrer, ao passo que nas Escrituras a vontade decretiva de Deus irá fazer com que o evento X não ocorra.

A vontade de Deus é às vezes frustrada porque Ele assim o quer, pois Ele tem dado a um dos seus desejos precedência sobre outro. Deus não planeja causar tudo o que Ele valoriza, mas Ele nunca falha em causar tudo o que Ele planejou.

– JP Padilha | O Evangelho sem disfarces – Cap. 3 – Predestinação Vs. Livre Arbítrio
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– Fonte 1: Facebook JP Padilha
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DETERMINISMO BÍBLICO OU FATALISMO? | JP Padilha



Você que crê na doutrina da Predestinação sempre irá ouvir dizer por aí que, se Deus já preordenou tudo quanto há de acontecer e predestinou um grupo de salvos para a vida eterna e outro grupo [de réprobos] para a perdição eterna, significa que não precisamos nos preocupar com os Seus mandamentos, já que, o que tem de ser será. Mas, será que é isso que caracteriza as Doutrinas da Graça?

São muitas as ramificações de seitas arminianas e pentecostais que, com discursos sofísticos e isolamento de textos cruciais para o entendimento bíblico, espumam heresias e ignoram o fato bíblico de que a Soberania de Deus e a Responsabilidade Humana não são inimigas, mas estão de mãos dadas. Não se pode separar essas duas irmãs inseparáveis. Portanto, deixarei algumas dicas para que você saiba como lidar com os “espantalhos teológicos” do arminianismo, como este supracitado, que certamente encontrará aos montes pela internet, sobretudo em blogs e páginas [heréticas] arminianas e pentecostais.

1. A premissa apresentada em sua pergunta não se trata de Calvinismo e das doutrinas da graça, muito menos interfere na bíblica Doutrina da Eleição Incondicional.

2. A queixa supracitada em sua pergunta é geralmente repetida pelos oponentes da verdade numa sequência mórbida de "psico-afirmacionismo" (ou PA), onde “psico” significa maluco e “afirmacionismo” refere-se à prática de afirmar suas visões repetidamente sem fornecer argumentos para suportá-las.

3. A construção do espantalho é notória. O que é um espantalho nesse aspecto? Os opositores da verdade criam um conceito Calvinista que nunca existiu, para então poder atacá-lo, já que são incapazes de confrontar ou refutar a Soteriologia Calvinista (pois ela é bíblica). O Calvinismo jamais afirmou que o fato de tudo estar predestinado signifique que Deus não nos responsabiliza por nossos atos, e isso é muito importante saber.

4. O espantalho construído na pergunta tem nome – Fatalismo – uma seita que adota o pressuposto que os arminianos tanto atribuem a nós calvinistas, desonestamente, na tentativa de nos caluniar e fazer com que pessoas mais incautas caiam no erro de julgar o que não conhecem.

5. O Calvinismo, ao contrário do Fatalismo, defende que a Bíblia é Determinista. E é muito importante que você entenda a diferença entre um e outro para nunca mais ser trapaceado por doutrinas demoníacas que não zelam pela verdade, mas buscam ofuscá-la através de ensinos heréticos.

QUAL A DIFERENÇA ENTRE DETERMINISMO E FATALISMO?

● DETERMINISMO: Todo evento tem uma causa e tudo no universo é absolutamente dependente e regido por Deus. Todo genuíno calvinista é determinista por definição. O fato de nós, deterministas, acreditarmos que todos os eventos, incluindo as ações humanas, são predeterminados de antemão por nosso Deus, faz com que muitos incautos confundam nossa crença com o Fatalismo, doutrina esta que anula a responsabilidade humana ou as ordens estabelecidas por Deus para serem seguidas e obedecidas. O determinismo é incompatível com o livre-arbítrio, mas não exclui a “vontade humana” (que desemboca na responsabilidade por seus atos), que é o termo usado para referirmos ao arbítrio. Que existe arbítrio, isto é fato. Só que o arbítrio não é livre. Podemos provar isso sem usar a Teologia, dando como exemplo circunstâncias empíricas, tais como: uma pessoa traumatizada com a dor de dente não consegue escolher a profissão de dentista. Ela está sob influência de seu TRAUMA interno. Ela pode negar isso, mas os fatos não podem ser negados sob o uso do senso comum. Outro exemplo: Se você foi picado por uma abelha, dificilmente admitirá, em sã consciência, que escolheu passar por isso. Quem escolhe uma terrível picada de abelha? A menos que se tenha uma INFLUÊNCIA interna ou externa, ninguém se moveria. Você escolhe ser médico porque quando criança sonhou com esse ofício por meio de influências alheias, ou, no mínimo, está sendo influenciado pela VOCAÇÃO interna.

O Determinismo de Deus faz isso. Ele faz com que suas criaturas estejam sujeitas a alguma influência, seja ela interna ou externa. Sendo assim, ainda que os hereges tenham milhares de chiliques com a verdade exposta pela Escritura, eles tem de lidar com o fato de que, ainda que colocássemos de lado a Bíblia, a própria Ciência irá dizer que ele não possui o arbítrio livre, mas que ele sempre será escravo de alguma coisa. No caso da Escritura, ou você é escravo do pecado que herdou de Adão, ou você é escravo de Cristo. De modo que, ainda que não possamos explicar esse mistério com nosso entendimento limitado, e, considerando que a Bíblia não explica o “porquê” Deus determina todos os acontecimentos e ações humanas e, mesmo assim, o homem continua responsável por suas escolhas, nós, calvinistas, nos dobramos diante da verdade divina sem questioná-la. Se houvesse a resposta do “porquê” Deus age assim, certamente afirmaríamos. Todavia, o lema do verdadeiro cristão continua de pé: “Onde a Bíblia se cala, nós nos calamos”. Isso é Determinismo Bíblico: Soberania de Deus e Responsabilidade Humana são princípios que não se opõem um ao outro, mas andam juntos. São milhares de versículos onde esses dois acontecimentos ocorrem simultaneamente, ou seja, o decreto de Deus sendo ali estabelecido enquanto o seu preceito está sendo desobedecido por determinação do próprio Deus que proibiu a desobediência. Em poucas palavras, o Determinismo Bíblico defende que Deus determina que um homem faça aquilo que Ele mesmo reprova. Mas, como isso ocorre? A Bíblia não responde. Por isso ela é determinista. Ela determina, mas não dá explicações ao homem.

● FATALISMO: A crença de que "o que será, será", já que todos os eventos passados, presentes e futuros já foram predeterminados por Deus ou outra força poderosa. Esta doutrina antibíblica sustenta que, se as nossas almas vão para o céu ou para o inferno, independente de nossas escolhas, significa que não precisamos nos responsabilizar ou nos mover para nada. O Fatalismo vai de encontro com o Determinismo Bíblico porque lança na fogueira todas as passagens em que o homem é responsabilizado por suas obras, mesmo Deus tendo o predestinado para aquilo. Isso não é e nunca foi a Soteriologia Calvinista. E sempre que um pseudo-cristão, herege ou arminiano (dá no mesmo) vier até você para apontá-lo como fatalista por crer na Doutrina da Eleição e da Predestinação Ativa, leve-o a se questionar, antes, o que venha a ser Fatalismo. Após isso, é só ver a mágica acontecer. Ou o indivíduo se manterá em estado circular, repedindo e repedindo aquilo que ele não pode provar nem contradizer, ou simplesmente ficará furioso com você e o acusará de não ter o “espírito” (eu sempre escuto essa).

– JP Padilha | O Evangelho sem disfarces – Cap. 3 – Predestinação Vs. Livre Arbítrio
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DEUS DECRETA TUDO, INCLUINDO O PECADO | JP Padilha


As Escrituras são claras ao nos mostrar que: (1) Deus é a causa primeira de todas as ações e coisas naturais (Is 26.12; Rm 11.36; Ef 1.11; Sl 33.15; Pv 21.1; At 17.28; Tg 4.15); (2) Deus predetermina as ações naturais nas quais o pecado está anexado, como vemos no caso em que José foi vendido ao Egito pelos seus irmãos (Gn 45.5-8; 50.20; At 7.9) e na crucificação de Cristo (Mt 26.24; Lc 22.22; Jo 19.10-11; At 2.23; 4.28); (3) Deus faz uso de instrumentos perversos para punir seu povo (Is 10.5-6; Jr 16.16; Sl 105.25; Jó 1.21); (4) a mão de Deus age imediatamente no ato do pecado (2Sm 12.11; 16.10-22; 24.11; 1Rs 11.31-37; 12.24; 2Rs 9.3; 10.30; 1Rs 22.23; Ap 17.17); (5) a permissão eficaz de Deus para que o pecado seja praticado é mais comum do que se imagina (1Sm 2.25; Jó 12.16-20); (6) o endurecimento judicial de Deus sobre o coração dos pecadores é tão claro como a neve (Sl 81.12; 69.22-27; Rm 11.10; Is 6.10; 29.10; 19.11-14; 44.18-19; 60.2; Rm 1.28; 2Ts 2.11). Portanto, temos a natureza do endurecimento judicial de Deus sobre os corações dos ímpios em seis proposições. Finalmente, (7) Deus regula o pecado para a sua glória (Êx 9.14-16; Pv 16.4; Rm 9.21-22; 1Pe 2.8).

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CAPÍTULO 6 - Uma Linguagem para as nossas Aflições

“Aquele que agora expõe essas palavras, dentro de si mesmo, sabe mais a respeito dos abismos interiores do que ousaria falar ou se importar (...) Terrores estão voltados contra mim, eles perseguem a minha alma como o vento”.

O notável poema de Jane Kenyon, Having it out with Melancholy, coloca dois problemas relacionados a “Deus” e associados à depressão e às nossas tentativas de cuidados. Primeiro, a depressão arruína nossas “boas maneiras com Deus”, pois nos ensina “a viver sem gratidão”, nos tentando a responder ao propósito de nossa existência como “simplesmente uma espera pela morte”, já que “os prazeres terrenos são tão supervalorizados”. Segundo, a depressão tenta nossos amigos a oferecer o seguinte conselho: “você não estaria tão deprimido se você realmente acreditasse em Deus”.

A fim de aprender com as verdades dolorosas apontadas por Kenyon, precisamos primeiro de um reconhecimento gracioso das boas maneiras de Deus para com o depressivo. Assim, neste capítulo, vamos explorar a linguagem da graça que Deus dá ao sofredor. Logo depois, no capítulo seguinte, iremos explorar o tipo de ajuda que em nome de Deus faz mais mal do que bem. E posteriormente, no capítulo oito, examinaremos a verdadeira ajuda para o sofredor agraciado.

Vamos começar, portanto, com a linguagem que Deus utiliza para com o que sofre aflições. Com isso, percebemos suas maneiras amáveis para conosco mesmo quando as nossas para com ele parecem naufragadas e perdidas no mar.

 

A BÍBLIA USA METÁFORAS
PARA AUXILIAR OS AFLITOS

Os sofredores de depressão se apoiam em metáforas. Andrew Salomon explica o por quê. Uma vez que “a depressão é uma condição quase inimaginável para qualquer um que não a tenha conhecido”, seu diagnóstico “depende de metáforas”.

Andrew Salomon destaca algumas metáforas comumente usadas para a depressão, como “caminhar à beira de um precipício” ou “cair em um abismo”. Willian Styron se debruçou igualmente sobre as imagens de afogamento e sufocamento para tentar fazer a descrição de sua aflição. Que metáforas você faria?

Charles não age de maneira diferente. Segundo ele, nossas depressões de tipos variados nos fazem como aqueles que “atravessam o imenso deserto”. Suportamos “invernos”. Somos “moídos como um cacho, pisados no lagar de vinho e entramos no “dia de neblina” em meio à tempestade, como aqueles “apanhados por um furacão”. “As águas rolam continuamente onda após onda” sobre nós. Somos como aqueles “assombrados pelo pavor” num “calabouço escuro” ou “sentados no canto de uma chaminé sob um acúmulo (...) de dores, fraquezas e aflições”. Sentamo-nos “nas trevas, como aquele que está gelado e entorpecido e sobre quem a morte está rastejando lentamente”. Somos como “guerreiros ofegantes” e “pobres soldados enfraquecidos” clamando pelo alívio dessa “longa batalha de aflição”.

O historiador Stanley W. Jackson escreveu sobre esse uso necessário de metáforas em seu livro Melancolia e Depressão: Dos Tempos Hipocráticos aos Tempos Modernos (Melancholia & Depression: From Hippocratic Times to Modern Times). Jackson não encontrou “nenhuma afirmação literal”, nenhum termo de diagnóstico que fosse capaz de descrever adequadamente a diversidade de nossa tristeza juntamente com seus variados ataques de melancolia e humor. O que ele encontrou em vez disso foram duas figuras de linguagem recorrentes: “estar em um estado de escuridão e estar oprimido”.

Precedendo-o, Charles encontrou tais metáforas e comparações na própria Bíblia. Em suas páginas, os fiéis descrevem sua condição interior em termos de poços e pântanos lamacentos, sombras profundas e cemitérios, inundações que nos engolem completamente. O salmista se volta para esse tipo de linguagem:

“Pois a minha alma está farta de males, (...)
sou como um homem sem força,
atirado entre os mortos;
como os feridos de morte que jazem na sepultura,
dos quais já não te lembras;
são desamparados de tuas mãos.
Puseste-me na mais profunda cova,
nos lugares tenebrosos.
Sobre mim pesa a tua ira;
tu me abates com todas as tuas ondas”
(Sl 88.3-7).

A metáfora se transforma em nosso professor de oração. Nossas orações do fundo de nossos corações começam a soar assim:

“Não me arraste a correntes das águas,
nem me trague a voragem,
nem se feche sobre mim a boca do poço” (Sl 69.15).

Até os títulos dos sermões de Charles começam a utilizar metáforas que a Escritura oferece aos aflitos: títulos como “A Folha Frágil (Jó 13.25), “O Espírito Abatido” (Pv 18.14), “A Alma Abatida (Sl 42.6) e “A Cana Quebrada (Is 42.1-3). Jesus é “o homem de dores” (Is 53.3). Ele não nos abandona no meio da agonia de um “espinho na carne” (2Co 12.7).

 

A METÁFORA AJUDA A LIDAR COM O MISTÉRIO

Que implicações tem para nós a maneira de Deus usar as metáforas? Você e eu precisamos de uma linguagem para as aflições e Deus a ensina para nós. E por que precisamos desse aprendizado?

O poeta Wendell Berry uma vez descreveu sua intenção de escrever poemas rurais com a linguagem adequada para o local. Seu objetivo era que se alguém fosse ler seus poemas e então visitasse o lugar de onde o poema se originou, a linguagem do poema se provaria nativa do lugar em vez de estrangeira a ele.

Da mesma forma, quando olhamos para a linguagem de Deus revelada na Bíblia, encontramos uma linguagem que o sofredor reconheceria como nativa e não estrangeira em relação à geografia de sua angústia interior. Começamos a falar gradualmente e nos abstemos de falar com aqueles que conhecem esse terreno de angústia em primeira mão. Quando essa fala acontece, a esperança realista tem uma chance.

A metáfora se torna nativa no terreno da depressão, pois:

(1) A metáfora abre espaço. Ela não se propõe a cobrir todos os ângulos, entender cada possibilidade ou explicar cada detalhe. Ela não requer apenas uma explicação possível. A linguagem que se propõe a fazer isso em relação à depressão expõe visivelmente sua ignorância para com a presente situação.

(2) A metáfora permite nuances e diferenciações. Desde que a experiência de cada pessoa com a depressão difere, a metáfora permite a expressão diversa. A prosa estereotipada ou o lugar-comum imediatamente revelam sua falta de realismo em relação a como a depressão prejudica alguém.

(3) A metáfora requer uma maior reflexão e exploração. É uma palavra de convite mais do que de destino que, como observamos anteriormente, é crucial para recolher os escombros da depressão.

Sem a metáfora, a depressão frequentemente expõe a inexperiência do nosso vocabulário. Ela desnuda nossa preferência pelas palavras felizes, prosaicas ou clínicas assumidas por nossa impaciência, nosso treino teológico ou nossas preferências médicas. Ela expõe de forma patente o nosso preconceito contra o lamento, recorrente em nosso falar teológico e em nossas tentativas fracassadas de bem-querer.

A esperança realista, ao contrário, conta com o uso das metáforas. Com isso, criamos uma poesia das aflições, um dicionário das tristezas. A esperança realista nos ensina a capacidade de entrar na “tristeza da multidão”, nas “trevas que se adensam”, “no humor venenoso”, “na imensa tempestade no cérebro”, “na ruína interior”, que frequentam muitos de nossos semelhantes. Nossa linguagem para as trevas cresce de maneira útil.

Sem isso, oferecemos meros band-aids  para ossos quebrados e loção tópica para uma hemorragia interna. Descrevemos em tons pastéis a chocante respiração cinza de uma ofegante ansiedade. E, então, quando os espinheiros e as ervas daninhas assumem o comando, todas as nossas palavras infladas estouram como balões.

Nesse ponto, Kathleen Norris nos assusta apresentando uma ironia penetrante. Ela lamenta que, se queremos encontrar palavras para criar caminhos adequados sobre os quais andar, “você está em melhor companhia com os poetas do que com os cristãos”. “É irônico”, diz ela, “porque as Escrituras do cânon cristão estão cheias de metáforas incomuns que criam a sua própria realidade”.

Às vezes alguns de nós que sofrem de depressão sentem a picada dessa ironia – a incapacidade de encontrar compaixão e conforto das pessoas que leem a Bíblia todos os dias, mas não reconhecem o dom da metáfora para os aflitos dentro de suas páginas. Como podemos diminuir a picada de uma esperança irrealista?

1. Na condição de um doente, procure metáforas para descrever sua experiência. Receba as metáforas que sofridos companheiros têm falado como os dons sussurrados por bons amigos. Acolha o jeito gracioso de Deus de preencher as Escrituras com uma poesia para o aflito como sua capacidade de se sentar, com conhecimento e empatia, nas cinzas com você.

2. Na condição de um auxiliador, aprenda a paciência e a apreciação da metáfora. Você já admitiu que nenhuma resposta ou solução simples está à disposição e que sua fala prolixa de explicação ou exortação não pode remediar a situação. Contudo, isso não significa que as palavras não têm nenhuma utilidade para você. Palavras, de um determinado tipo, lhe são muito úteis. A metáfora nos convida a dizer “o que significa isso?”. Fazer essa pergunta, e em seguida ouvir e aprender, é usar as palavras como convites e pontes em direção à empatia e ao entendimento compartilhado.

 

POESIA DE DEUS PARA AS NOSSAS AFLIÇÕES

Com essa história da metáfora e as narrativas registradas nas Escrituras, a alma frustrada, o cérebro afetado e o demônio assustado recebem uma visão mais ampla e uma linguagem adequada.

Neste ponto voltamos à pergunta que temos feito. Como podemos encontrar uma visão mais ampla sobre Deus para as nossas aflições, sem sermos cruéis ou banais sobre isso? Para Charles, isso se dava, em parte porque a linguagem de Deus revela um Ser que realmente entende nosso dilema.

Se Charles estiver certo e Deus for verdadeiramente gracioso para dar a nossas aflições uma linguagem, então uma esperança realista começa a deslizar suave, mas verdadeiramente, para dentro de nosso campo visual, como ondas na maré rolando sob nossos céus noturnos. Essa esperança pulsa e esmaece, como a lâmpada de um farol circulando vagarosa e perdemos de vista. Novamente e novamente, ela retorna à vista, desbravando seu caminho em nossa direção através da névoa da ausência. As águas da noite começam a brilhar com promessas.

Mas para a terra que estava aflita não continuará
a obscuridade (...)
O povo que andava em trevas
viu grande luz,
e aos que viviam na região da sombra da morte,
resplandeceu-lhes a luz (Is 9.1-2).

A visão mais ampla de Deus existe e possui dentro dela uma linguagem de aflições, para que aos entristecidos, aos angustiados, aos que estão no caminho das trevas e aos habitantes da noite profunda seja dada voz. Essa visão de Deus não é nem cruel e nem banal. Essa visão começa a revelar, de fato, a compaixão divina.

Às vezes, tal compaixão transcende as palavras, tornando-se em gemidos e dores. Admitir os limites das palavras e deixar o silêncio assentar-se enquanto nutrimos uns aos outros ou caminhamos uns com os outros pode ser o reconhecimento gracioso da esmagadora natureza da aflição.

A compaixão divina é seu professor, querido cuidador, seu aliado e amigo, querido sofredor. Deixe a divina linguagem dos aflitos ajudá-lo.

– Zack Eswine / A Depressão de Spurgeon: Esperança realista em meio à angústia – PARTE 2 – Cap. 6 – Pág. 93-102

SUMÁRIO DA SÉRIE "A DEPRESSÃO DE SPURGEON: Esperança Realista em meio à Angústia"

O que significa ação de graças na Bíblia? | JP Padilha



A expressão “ação de graças” significa um agradecimento a Deus. Geralmente essa expressão é usada na Bíblia para indicar uma atitude de alguém em reconhecimento ao favor do Senhor derramado sobre sua vida.

Mas, apesar de “ação de graças” ser uma expressão muito popular no mundo inteiro, não são todas as pessoas que compreendem o seu verdadeiro significado. As pessoas até podem se mostrar agradecidas em diversas situações, mas para que haja uma verdadeira ação de graças, as pessoas precisam ter uma compreensão apropriada do ser de Deus e de sua obra conforme revelados na Escritura.

A verdade é que todos deveriam dar ação de graças ao Senhor. Porém, os homens caídos rejeitam a verdade de Deus pela mentira; eles trocam a glória que pertence a Deus por “imagens feitas segundo a semelhança do homem mortal, bem como de pássaros, quadrúpedes e répteis” (Romanos 1.23). Por isso Deus os entregou aos seus próprios desejos pecaminosos (Vide contexto dos versículos).

Diante dessa realidade, é fácil perceber que somente o cristão verdadeiro é que pode expressar sua gratidão ao Senhor da maneira correta. Primeiro, ele reconhece que Deus é o único Criador de todas as coisas (Gn 1), incluindo do mal (Is 45.7). Segundo, ele entende que Deus não somente é o Criador, mas também o Sustentador da criação. Todo ser que existe neste mundo deve sua existência ao Deus Todo-Poderoso (cf. At 17.28). Terceiro, ele enxerga Deus como o Provedor da salvação e recebe o dom da vida eterna mediante a fé na pessoa e obra de Cristo.

A AÇÃO DE GRAÇAS NA BÍBLIA

Na Bíblia, há várias ocorrências de ações de graças ao Senhor. Inclusive, nos tempos do Antigo Testamento havia uma oferta especial de ação de graças na liturgia do povo de Israel – geralmente identificada como uma oferta pacífica (Lv 7.12-15). Além disso, no calendário religioso de Israel também havia certas festividades que expressavam a gratidão do povo de Deus pelas bênçãos e provisões divinas (cf. Ex 23; 34.22,23; Lv 23; Nm 29; Dt 16; etc.). Mas isso não deve ser confundido com as bênçãos que Deus promete à Igreja. As bênçãos prometidas à Israel são sempre, em geral, terrenas, enquanto à Igreja nos é prometida as bênçãos celestiais! Israel não é a Igreja de Deus. Israel é uma coisa; Igreja é outra bem diferente.

No Antigo Testamento ainda podemos encontrar diversos salmos de ações de graças (Sl 18; 66; 138; etc.). Esses salmos registram a gratidão do salmista por ter sido ouvido pelo Senhor e socorrido com benevolência e misericórdia no tempo de sua angústia. Inclusive, esse tipo de salmo de ação de graças serve de modelo para o cristão de hoje expressar o seu agradecimento a Deus.

Já no Novo Testamento, os crentes são chamados a uma vida caracterizada pela ação de graças ao Senhor. A maioria das pessoas possui uma habilidade natural para pedir e nem todas elas se atentam à importância de agradecer. Mas os redimidos devem se ocupar em agradecer ao Senhor continuamente.

O CRISTÃO DEVE DAR AÇÃO DE GRAÇAS AO SENHOR

O povo de Deus é conclamado a em tudo dar graças, porque essa é a vontade de Deus em Cristo Jesus (1Ts 5.18). Essa é uma ordem muito séria porque implica no fato de que quando o cristão é negligente em render ação de graças ele acaba desobedecendo a vontade de Deus.

Nesse sentido, as orações dos crentes devem sempre expressar sua gratidão ao Senhor (Fp 4.6; Cl 4.2). Inclusive, o apóstolo Paulo explica que as bênçãos da salvação e a resposta de Deus às nossas orações possuem o propósito de transbordar as ações de graças para a glória de Deus (2Co 4.15; cf. Ef 1.12). O mesmo apóstolo ainda ensina que, até mesmo pela ministração dos nossos recursos em favor de outros necessitados, Deus é glorificado através de ações de graças (2Co 9.11,12).

Por fim, as ações de graças não caracterizam somente a vida da Igreja nesta terra. Na verdade, a vida eterna ao lado de Deus na bem-aventurança celestial será uma vida marcada pela adoração e pelo agradecimento ao Senhor por suas grandes obras e Seus atos redentores (cf. Ap 4.11; 7.12; 11.17).

– JP Padilha
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Nem tudo foi escrito para você | JP Padilha

Se eu encontrar uma linda carta de amor na rua, cujo destinatário tem por nome Geraldo, eu não tenho o direito de tomar aquelas palavras para mim. Elas foram escritas para o Geraldo, não para o JP Padilha. Assim acontece com as promessas de restauração terrena, benção terrena, juízo terreno, etc., que Deus fez somente à nação de Israel e que muitos cristãos professos querem tomar para si (Se bem que eles revindicam somente as promessas de "bençãos terrenas" e isolam as de "juízo terreno". Curioso, não?).

No evangelho da graça não há promessas de prosperidade terrena! As promessas de prosperidade terrena são feitas somente à Israel, a nação terrena de Deus. A Igreja é a nação celestial de Deus e não terrena. Por isso que é necessário ir até o Antigo Testamento para encontrar promessas de prosperidade que NUNCA foram feitas à Igreja, a qual só veio a existir em Atos 2. Essas promessas ainda serão cumpridas à nação de ISRAEL futuramente, em uma próxima dispensação, no reino milenar de Cristo sobre a Terra.

Com a IGREJA a conversa é totalmente diferente. Basta ir nas epístolas, especialmente de Paulo. Na terra nós somos como "a escória do mundo". Somos peregrinos aqui. Somos odiados pelo mundo, e não amados por ele (Lc 21.17).

Por meio das instruções a Timóteo, Paulo nos ordena: "Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade. Mas evita os falatórios profanos, porque produzirão maior impiedade" (2 Timóteo 2.15,16). A versão de J. N. Darby, se traduzida para o português, ficaria assim: “Esforça-te diligentemente para apresentar-te aprovado a Deus, como obreiro que não tem de que se envergonhar, cortando com precisão a palavra da verdade”. Nesta versão, a imagem que temos é de um bisturi nas mãos de um hábil médico que separa os órgãos corretamente, de acordo com seu lugar, posição e função.

A primeira edição da Bíblia em inglês, publicada em 1535 por iniciativa do Rei Tiago da Inglaterra, ou “King James”, trazia um prefácio de Miles Coverdale que trazia um conselho semelhante: “Será de grande auxílio para entenderes as Escrituras se atentares, não apenas para o que é dito ou escrito, mas de quem e para quem, com que palavras, em que época, onde, com que intenção, em quais circunstâncias, e considerando o que vem antes e o que vem depois”.

Sendo assim, não se pode querer entender a Bíblia como um saco de versículos que você sacode, mistura e tira dali uma passagem qualquer para embasar uma doutrina. Como escreveu Coverdale, é preciso saber “de quem e para quem... onde, com que intenção e em quais circunstâncias” aquela passagem aparece ali.

Mas alguém vem e me pergunta: Mas e se Deus quiser abençoar algum crente materialmente? Sim, Deus pode prosperar na vida de um crente materialmente... mas Ele só faz isso quando quer e não porque prometeu isso. O apóstolo Paulo chega a mencionar esse grupo de "ricos segundo o mundo" na Igreja dos santos (crentes em Cristo, servos de Deus, que devem ser liberais com suas riquezas, abençoando os irmãos mais pobres com tudo que possuem – cf. 1Tm 6.17,18). O apóstolo ainda os adverte dizendo que eles não devem buscar por mais riquezas além do que já possuem naturalmente, pois isso pode levá-los ao "amor ao dinheiro" ou às "coisas terrenas” (1Tm 6.8-11).

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A RUÍNA DO TESTEMUNHO CRISTÃO E A CRIAÇÃO DE DENOMINAÇÕES RELIGIOSAS


Vivemos em uma época em que os cristãos têm uma visão triunfalista da Igreja, como se ela fosse uma instituição filantrópica que irá dominar o mundo pelo fato de ser o povo de Deus na terra. É o que eu costumo chamar de “Teologia do Domínio”. Em grande parte, isso acontece por causa da crença na Teologia do Pacto (ou aliancismo, como é comumente conhecida nos meandros dos seminários teológicos das instituições religiosas). Os seguidores dessa teologia creem que as promessas de prosperidade e vitória terrenas contidas no Velho Testamento estão endereçadas a nós, a Igreja de Deus. Grave engano! Aquelas promessas foram feitas claramente ao remanescente judeu fiel que ainda terá suas promessas cumpridas no futuro. Por enquanto, Israel continua em estado de torpor e cegueira, pois Deus está em constante tratativa com a Igreja agora, visto que estamos na dispensação da graça. Ainda nos resta uma dispensação: A dispensação da plenitude dos tempos, onde um reino de justiça e descanso virá sobre a terra. Será o reinado de Cristo por mil anos. A crença de que a Igreja seja uma espécie de continuidade de Israel e que isso significa que ela conquistará o mundo e converterá a maioria dos corações influencia diretamente a nossa atitude e conduta diante do mal que sempre prevalece no mundo, e isso não deveria ser uma surpresa para o cristão. Jesus nunca disse que teríamos um lugar de destaque no mundo. Pelo contrário – Ele disse que seríamos perseguidos e mortos por sermos cristãos. Um dentre muitos erros que cometemos é o de nos intrometer na política deste mundo. Na verdade, o cristianismo não é triunfalista e não tem o dever de transformar este mundo em um lugar agradável ao cristão. Até porque as segundas epístolas se encarregam de profetizar sobre o fracasso do testemunho da Igreja na terra, não de seu sucesso. Assim como Israel falhou, a Igreja também falhou. E é necessário que a Igreja fracasse porque assim foi profetizado para que Cristo a arrebate antes das coisas piorarem (pois elas vão PIORAR). Não temos uma pátria aqui. Nossa pátria está nos céus.

Nosso Senhor Jesus Cristo há de nos arrebatar nos ares a qualquer momento. "Ora vem, Senhor Jesus" – Esse sim deve ser o nosso desejo frequente – o arrebatamento, não a melhoria de um mundo condenado e com data de vencimento!

Na história vemos que a ideia herética de que a Igreja seja a continuidade de Israel, e que por isso ela deve conquistar o mundo, produziu algumas aberrações, tais como o desejo de destruir os judeus, a começar pelos católicos (Inquisição) e depois por protestantes (Alemanha). Um exemplo disso é Lutero, que tinha uma aversão mórbida pelos judeus, como se eles fossem um câncer no desenrolar da história do mundo. Apesar de Deus ter usado Sua Palavra para resgatar a doutrina da “salvação pela graça” e “justificação pela fé” por meio de Lutero, o mesmo não pode ser dito a respeito da amargura que ele tinha contra os judeus devido à má compreensão sobre o povo terrenal de Deus – Israel.

O sentimento de anti-semitismo de Martinho Lutero pode ser visto em um de seus escritos:

"Em primeiro lugar, suas sinagogas deveriam ser queimadas... Em segundo lugar, suas casas também deveriam ser demolidas e arrasadas... Em terceiro, seus livros de oração e Talmudes deveriam ser confiscados... Em quarto, os rabinos deveriam ser proibidos de ensinar, sob pena de morte... Em quinto lugar, os passaportes e privilégios de viagem deveriam ser absolutamente vetados aos judeus... Em sexto, eles deveriam ser proibidos de praticar a agiotagem... Em sétimo lugar, os judeus e judias jovens e fortes deveriam pôr a mão no debulhador, no machado, na enxada, na pá, na roca e no fuso para ganhar o seu pão no suor do seu rosto... Deveríamos banir os vis preguiçosos de nossa sociedade ... Portanto, fora com eles... Resumindo, caros príncipes e nobres que têm judeus em seus domínios, se este meu conselho não vos serve, encontrai solução melhor, para que vós e nós possamos nos ver livres dessa insuportável carga infernal – os judeus". ("Concerning the Jews and their lies" - por Martinho Lutero).

Como se pode ver, a mente de Martinho Lutero, por consequência da Teologia do Pacto que permeou a cristandade em seu tempo e se alastrou pelo mundo até o século 19, era completamente cega quanto ao futuro profetizado para Israel na Bíblia. Lutero não tinha nenhuma compreensão sobre as dispensações das Escrituras e os desdobramentos delas.

Outra aberração que podemos constatar na crença de que o cristianismo precisa primeiro conquistar e dominar o mundo para que Cristo possa voltar são as cruzadas, antigas e modernas, em sua ânsia conquistadora de dominar a terra e transformá-la em um “mundo cristão”. O desejo norte-americano de uma hegemonia ocidental, que às vezes faz uso de meios militares para atingir tal fim, faz parte do programa da “Teologia do Domínio” (ou Teologia do Pacto, para ser mais exato). A Teologia do Domínio, professada pelo ex-presidente Bush e por parte dos batistas fundamentalistas do sul dos Estados Unidos, vem desse desejo.

TEMOS QUE PREGAR O “EVANGELHO” A TODA CRIATURA NO MUNDO PARA QUE CRISTO POSSA RETORNAR PARA ARREBATAR A SUA IGREJA?

Outras consequências podem ser vistas por causa desse pensamento a respeito de Israel e Igreja. Por conta das pessoas pensarem que não existe um futuro para Israel e que tal futuro seria a Igreja, elas automaticamente são levadas a concluir que os comandos de se “pregar o evangelho aos quatro cantos do mundo para Cristo poder voltar” são para os cristãos.

Essas pessoas imaginam que é necessário que todo homem, em cada lugar do mundo, deve ser evangelizado como condição prévia para a volta de Cristo, quando, na verdade, a ordem do "Ide" em Mateus 10.7 e 24.14 foi dada aos apóstolos em circunstâncias claramente judaicas. Ou seja, Jesus estava falando do "evangelho do Reino" ali. O evangelho do reino é aquele que anuncia a volta do Rei de Israel. É muito importante entender isto: que o evangelho do reino, descrito por Jesus nestas ocasiões, não é o evangelho da graça. Uma nova aliança será feita com Israel no Milênio, após a Tribulação (Jr 31.31-33), não com a Igreja. A Igreja não teve uma velha aliança e nem terá uma nova, visto que ela só veio a ser inaugurada em Atos 2. Não existe Igreja no Velho Testamento, e isso inclui os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João. Quando falamos da nova aliança, estamos nos referindo a Israel, o povo terrenal de Deus. O remanescente de judeus que virá a sofrer na Tribulação dará testemunho durante os sete anos de Tribulação, levando o evangelho do Reino a toda criatura. Sim, a ordem do “ide” foi dada claramente aos apóstolos em circunstâncias judaicas, falando do evangelho do reino, aquele que anuncia o retorno do Rei de Israel após a Tribulação (Mt 28.19). Esse não é o evangelho da graça, o qual pregamos hoje.

O evangelho da graça diz: “Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo” (Atos 16.31). O evangelho do Reino, que foi pregado por João Batista aos judeus de sua época e que ainda voltará a ser pregado pelo remanescente judeu no futuro, diz: “Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus” (Mateus 3.2). Um é o evangelho da graça; o outro é o evangelho do Reino.

Segundo os que pensam que devemos pregar o “evangelho do reino” a toda criatura para Jesus voltar, enquanto o mundo não for totalmente evangelizado Cristo não poderá retornar para arrebatar a Sua igreja, o que Ele prometeu com tanta veemência. Portanto, segundo os que interpretam a Bíblia com tudo junto e misturado, seria bobagem crer que o Senhor poderia vir a qualquer momento para arrebatar a Sua amada Noiva (Igreja), como era a esperança de Paulo e de outros, os quais obviamente sabiam que o evangelho da graça não seria pregado em todo o mundo dentro do período de suas vidas.

Veja o que Paulo diz aqui: “Depois NÓS, OS QUE FICARMOS VIVOS, seremos arrebatados...” (1 Tessalonicenses 4.17). Paulo tinha esperança de ser arrebatado ainda vivo, e essa deve ser a nossa esperança também: o arrebatamento, quando Cristo vier nos ares para nos levar para a Casa do Pai (o Céu – 1Ts 4.13-18; Ap 3.10).

Se antes Deus olhava para o mundo e enxergava apenas dois povos, Israel e gentios, hoje Deus enxerga três: Israel, gentios e Igreja. Veja: “Portai-vos de modo que não deis escândalo nem aos judeus, nem aos gregos [gentios], nem à igreja de Deus” (1 Coríntios 10.32).

Ora, se o Espírito Santo de Deus faz essa distinção nas Escrituras, quem somos nós para dizer que Israel e Igreja são a mesma coisa? Quem nos persuadiu a crer em uma aberração dessas? Ora, Paulo não faria tal distinção entre esses três povos se a Igreja fosse apenas uma continuidade de Israel, e nem falaria de um futuro ainda a ser realizado para Israel em Romanos 11 e em várias outras passagens de suas epístolas.

A IGREJA FALHOU E NÓS VIVEMOS OS ÚLTIMOS TEMPOS

Quando consultamos a Palavra de Deus, podemos constatar que quase todos os escritores do Novo Testamento previram que a ruína e o abandono da Palavra de Deus entrariam no testemunho cristão. Portanto, não deveria ser uma grande surpresa para nós quando víssemos esse abandono da ordem de Deus na criação de instituições ou denominações religiosas se autoproclamando “igrejas”. Trata-se daquelas construções com adornos judaicos onde um (assim chamado) “pastor” preside a congregação (algo que nunca é visto na Bíblia).

AS “SEGUNDAS” EPÍSTOLAS SÃO PROFECIAS SOBRE A FALHA NO TESTEMUNHO CRISTÃO

As "segundas" epístolas do Novo Testamento se ocupam particularmente deste assunto. Cada epístola revela algum aspecto da fé cristã sendo abandonado e, consequentemente, assinala o caminho para aqueles que são fiéis seguirem em cada situação.

1. A 2ª epístola aos Efésios descreve o abandono do primeiro amor (Ap 2.1-7).

2. A 2ª epístola aos Tessalonicenses trata do abandono da bendita esperança – o arrebatamento (a vinda do Senhor nos ares para levar consigo a Igreja para o Céu).

3. A 2ª epístola de João considera a gravidade de se abandonar a doutrina de Cristo.

4. A 2ª epístola de Pedro apresenta o abandono da piedade prática.

5. A 2ª epístola aos Coríntios trata, dentre outras coisas, do abandono da autoridade apostólica conforme é encontrada nas Escrituras.

6. A 2ª epístola a Timóteo nos fala do abandono da ordem na casa de Deus (Esta está particularmente conectada ao assunto que estamos tratando).

O TESTEMUNHO DE PAULO

O apóstolo Paulo nos alertou para o fato de que haveria um grande abandono da Palavra de Deus entre os cristãos professos. Ele disse: "Porque eu sei isto que, depois da minha partida, entrarão no meio de vós lobos cruéis, que não pouparão ao rebanho; e que de entre vós mesmos se levantarão homens que falarão coisas perversas, para atraírem os discípulos após si" (Atos 20.29-30).

Em suas epístolas a Timóteo, ele mencionou aqueles que naufragariam na fé (1Tm 1.19-20), que apostatariam da fé – do conjunto formado pela verdade cristã (1Tm 4.1-3), que se afastariam da fé (1Tm 6.10), que se desviariam da fé (1Tm 6.20-21), que perverteriam a fé de outros por meio de seus ensinos heréticos (2Tm 2.18), e que se tornariam reprovados quanto à fé (2Tm 3.8). Ele disse que chegaria um tempo em que os cristãos professos, de um modo geral, não suportariam a sã doutrina, mas desviariam seus ouvidos da verdade, voltando-se para as fábulas que não têm qualquer fundamento na Palavra de Deus (2Tm 4.2-4). Ele disse que os padrões morais no testemunho cristão também se degenerariam até chegarem ao mesmo nível dos praticados entre os pagãos (2Tm 3.1-5; cf. Rm 1.28-32). Ele falou de impostores que se levantariam professando conhecer a verdade, os quais imitariam os poderes miraculosos de Deus em uma tentativa de resistirem à verdade (2Tm 3.7-8). Ele também falou que as coisas NÃO melhorariam, mas que "homens maus e enganadores" dentro do testemunho cristão (pois é este o contexto do artigo) iriam "de mal para pior" (2Tm 3.13). Basta darmos uma olhada superficial no testemunho cristão de nossos dias para vermos que todas essas previsões chegaram ao seu triste cumprimento.

O TESTEMUNHO DE MATEUS

Nas parábolas do reino dos céus o apóstolo Mateus indica o mesmo abandono da ordem de Deus. Nelas o Senhor Jesus disse que um inimigo (Satanás) viria e semearia "joio no meio do trigo". Isto indica que no reino dos céus haveria a intromissão de professantes falsos e sem vida. Como resultado disso, o reino teria uma mistura de crentes verdadeiros (trigo) e falsos professantes (joio), os quais não seriam separados até o fim desta era (Mt 13.24-30,38-41).

Mateus registra que o Senhor Jesus ensinou às multidões que um vasto sistema cresceria a partir da simplicidade original do cristianismo, e que, no final, não sobraria qualquer semelhança daquilo que era no princípio. Isso nos fala claramente do abandono da simplicidade da Igreja e do início de um sistema institucionalista cheio de denominações religiosas, cada qual com sua doutrina preconcebida, o qual dividiria o “Corpo de Cristo”. Ele usou a figura de uma "semente de mostarda" sendo plantada na terra e crescendo demais, até se tornar uma imensa árvore, na qual as aves do céu viriam se aninhar. A grande árvore nos fala de domínio e poder (Ez 31.3-7; Dn 4.10,11,22-34). O Senhor indicava, assim, que a profissão cristã se desenvolveria na forma de uma grande instituição mundana, dando ao cristianismo um aspecto de grandeza e pretensão. A profissão cristã acabou se transformando em um grande sistema de religião, política e negócios. Nela os homens se esforçam para conseguir honra, grandeza e poder. As "aves do céu" nos falam de espíritos malignos (Ap 18.2) que se apoderariam das mentes dos homens e os influenciariam para que ensinassem doutrinas de demônios (1Tm 4.1).

Se você já teve a oportunidade de presenciar o barulho que sai de uma árvore cheia de pássaros, certamente entendeu o quão exata é essa figura da confusão que existe no testemunho cristão. As aves estão todas gorjeando ao mesmo tempo, todas elas aparentando ter algo a dizer, mas suas vozes são todas conflitantes. É isso o que ouvimos quando atentamos para as milhares de vozes das várias assim chamadas “igrejas” existentes na cristandade (Mt 13.31-32).

O Senhor Jesus continuou, falando da mulher que introduziu "fermento" em "três medidas de farinha" (Mt 13.33). Isso nos fala de outro aspecto da ruína que se abateu sobre a profissão cristã. Se as aves na imensa árvore ilustram a grande confusão na profissão externa da cristandade, por meio da criação de denominações religiosas (instituições), a qual iria se desenvolver, o fermento na massa nos fala da grande corrupção interna que acabaria permeando a cristandade. Nas Escrituras, o fermento é uma figura ou tipo do mal (Mt 16.6; Mc 8.15; 1Co 5.6-8; Gl 5.7-10). A "massa" é uma figura de Cristo, que é "o Pão da vida". É Ele o alimento espiritual dos filhos de Deus (Jo 6.33-35,51-58). Portanto, o Senhor indicou que a Igreja professa (a mulher) iria corromper o alimento dos filhos de Deus ao introduzir má doutrina na Igreja, misturando-a com a verdade acerca da Sua Pessoa. E foi exatamente o que aconteceu. Na vasta profissão da cristandade, muitos ensinos heréticos e malignos têm sido associados à Pessoa de Cristo.

Sendo assim, estas três parábolas no evangelho de Mateus indicam que haveria a introdução de pessoas malignas (Mt 13.24-30), espíritos malignos (Mt 13.31-32; 1Tm 4.1) e doutrinas malignas (Mt 13.33).

Algumas outras similaridades do reino, no evangelho de Mateus, também indicam essa ruína que acabaria se introduzindo na Igreja. Por exemplo, Mateus 25.1-13 diz que todas as dez virgens tosquenejaram e adormeceram. Elas estavam dormindo quando deveriam estar vigilantes.

O TESTEMUNHO DE PEDRO

O apóstolo Pedro também falou dos ensinos malignos que surgiriam no testemunho cristão. Ele disse que falsos mestres se levantariam dentre os santos de Deus e introduziriam "heresias de perdição" que muitos seguiriam – até ao ponto de falarem mal do caminho da verdade (2Pd 2.1-3; 3.16).

Heresia não é somente ensinar má doutrina, mas criar seitas – denominações. Uma "heresia" ou "seita" é, por definição, a criação de um partido ou divisão dentro de uma igreja, o qual rompe com as demais denominações e forma a sua própria comunhão em torno de uma opinião particular ou doutrina preconcebida. Embora a heresia esteja conectada ao ensino de coisas heterodoxas e blasfemas, ela é, na sua mais pura essência, a formação de uma divisão notória na Igreja. A heresia, predominantemente, está associada à formação de denominações (sectarismos ou seitas). Por se afiliarem a essas denominações criadas por homens, os membros dessas instituições constantemente pensam em heresia apenas como um errinho teológico ou “questão secundária” (termo muito usado hoje pelos liberalistas teológicos). A mais sutil de todas as heresias é aquela que se desenvolve em torno de alguma parcela da verdade até excluir outras verdades. Podem existir muitos verdadeiros crentes conectados a essas heresias. Todavia, uma "heresia de perdição", da qual Pedro fala, é uma seita (denominação) que constrói sua causa em torno de doutrinas destruidoras de almas.

Quando observamos a vasta profissão da cristandade, vemos todas as inúmeras divisões e seitas que existem na igreja. Segundo estatísticas recentes, existem hoje mais de mil comunhões denominacionais! Felizmente podemos dizer que alguns desses grupos eclesiásticos não se constituem heresias "de perdição", embora não deixem de serem divisões na Igreja, o que desemboca inevitavelmente em sectarismo. Além disso, não podemos nos esquecer de que as Escrituras nos ordenam a rejeitar a heresia porque é uma obra da carne (Tt 3.10,11; 1Co 11.19; Gl 5.20). “Ao homem herege, depois de uma ou duas admoestações, evita-o, sabendo que o tal está pervertido, e vive pecando, estando já em si mesmo condenado” (Tito 3.10,11).

O TESTEMUNHO DE JOÃO

Enquanto o apóstolo Paulo nos alerta sobre aqueles que retrocedem às más doutrinas, abandonando a revelação da verdade cristã (Hb 10.38-39), o apóstolo João adverte a respeito daqueles que a ultrapassam (ou "prevaricam") e não permanecem nela (2Jo 9). João falou desse desvio como resultado do trabalho de mestres anticristãos. A respeito deles, João afirma: "Saíram de nós, mas não eram de nós" (1 João 2.19).

Ao dizer "nós", aqui e em muitos outros lugares de sua epístola, João está se referindo aos apóstolos. Sair da comunhão e doutrina dos apóstolos é o mesmo que abandoná-las. Enquanto João se referia primariamente ao abandono da doutrina concernente à Pessoa de Cristo, podemos ver que o testemunho cristão não parou por aí. Muito daquilo que é aceito como ordem na igreja não tem qualquer fundamento nos ensinos dos apóstolos. O que vemos nos faz lembrar o que o Senhor disse aos Fariseus, ao afirmar que eles estavam "ensinando doutrinas que são mandamentos de homens". Ele também disse: "Bem invalidais o mandamento de Deus para guardardes a vossa tradição" (Marcos 7.7,9).

O TESTEMUNHO DE JUDAS

Judas também nos diz que certos homens se introduziriam furtivamente entre os cristãos e converteriam "em dissolução a graça de nosso Deus" (Jd 1.4). Ele descreve o caráter dos que corromperiam o testemunho cristão como pessoas que entrariam "pelo caminho de Caim", sendo levadas "ao erro de Balaão", e perecendo "na rebelião de Coré" (Jd 1.11). Estas três coisas descrevem muito bem o tipo de erro eclesiástico que hoje prevalece na cristandade.

Primeiro, há o "caminho de Caim", que descreve a tentativa de se mostrar boas obras para Deus como forma de ser aceito por Ele. Caim era um homem religioso por ter oferecido um sacrifício a Deus, mas o que ele ofereceu a Deus, numa tentativa de obter aceitação, foi obra de suas próprias mãos, sendo rejeitado por isso (Gn 4.1-5). Sua oferta não tinha o sangue que prefiguraria o sacrifício cabal do sangue derramado do Senhor Jesus Cristo, sem o qual ninguém pode ser abençoado por Deus. Hoje está sendo pregado nos púlpitos de muitas denominações religiosas um evangelho sem sangue, o qual nem mesmo é o evangelho. Por meio dele muitos têm sido levados a crer que podem apresentar suas boas obras a Deus em troca de aceitação e salvação, mesmo que a Bíblia indique claramente que a salvação "não vem das obras" (Ef 2.8,9; Tt 3.5; Rm 4.4-8).

Em seguida vemos o "erro de Balaão", que nos fala do desejo de ensinar coisas que não provêm de Deus em troca de dinheiro e posição. Balaão se apresentou a Balaque e aos moabitas como um profeta com a intenção de profetizar a eles visando prejudicar o povo de Deus (Nm 22-24). Ainda que muitos pregadores de hoje talvez não tenham a intenção de prejudicar o povo de Deus, muitos deles estão, do mesmo modo, ensinando doutrinas estranhas à Igreja. Trata-se de homens que claramente ensinam doutrinas que não são encontradas nas Escrituras para igualmente buscarem posições elevadas na igreja.

Finalmente temos a "rebelião de Coré", que é a organização de um partido de homens que desafiam a ordem dada por Deus para o sacerdócio. Coré e seus correligionários queriam uma posição acima do povo de Deus, a qual não lhes havia sido concedida por Deus. Na profissão cristã existe uma organização similar de uma classe especial de homens para presidirem sobre o rebanho de Deus, o que é conhecido como clero. Esses homens falam deliberadamente do rebanho de Deus como se fosse o rebanho "deles". Esse tipo de organização, da qual estamos tratando desde o início deste artigo, pode muito bem ter surgido com boas intenções, e pode ser que existam muitos que atualmente ocupam esse lugar de boa mente, mas mesmo assim trata-se de um sistema de coisas que não tem qualquer fundamento na Palavra de Deus. Em essência, tal sistema desafia o genuíno sacerdócio que pertence a cada crente.

O TESTEMUNHO DO SENHOR

Finalmente, o próprio Senhor condena um grupo de pessoas que se levantaria na Igreja, chamados de "nicolaítas" (Ap 2.6,15). Essas pessoas introduziram impurezas no testemunho cristão; e pelo significado de seu nome, muitos estudiosos da Bíblia concluíram que estas podem muito bem ter sido as primeiras sementes do clericalismo. A palavra "nico" significa "governar", e "laitan" – que é a mesma palavra para laico – significa "povo". Os nicolaítas eram um partido formado por pessoas que aparentemente buscavam meios de "governar sobre o povo" e, por isso, poderiam muito bem ter sido o início do sistema que faz distinção entre clero e leigos. O Senhor nos diz especificamente que as "obras" e as "doutrinas" dos nicolaítas são coisas que Ele odeia (Ap 2.6,15).

Temos nisso tudo um testemunho abundante de quase todos os escritores do Novo Testamento sobre o fato de que haveria um grande distanciamento da simplicidade da fé cristã, do evangelho da graça e da Igreja (2Co 11.3-4). Os apóstolos nos disseram que, em sua ausência, surgiria um sistema de coisas que não teria qualquer fundamento na Palavra de Deus. É verdade que em algumas igrejas ocorre uma parcela maior desse erro eclesiástico do que em outras. Todavia, seja na basílica de São Pedro em Roma, seja na menor capela evangélica, a maioria delas – se não todas – traz os princípios básicos do clericalismo inseridos em seus sistemas de governo.

O crente que é instruído segundo os pensamentos de Deus não tem alternativa senão admitir que aquilo que se apresenta aos homens como a Igreja de Deus hoje tem pouca ou nenhuma semelhança com a Igreja de Deus conforme é apresentada nas Escrituras. Sua pergunta poderá ser: "O que aconteceu?" Em poucas palavras, a resposta é que nós (a Igreja) fracassamos.

– JP Padilha
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