O dom de Línguas segundo a Bíblia | JP Padilha


Deus prometeu que usaria nações do mundo todo para transmitir Sua Palavra ao Seu povo escolhido. Por meio de outras línguas, Seu povo receberia as “boas novas” e, ainda assim, muitos não ouviriam os Seus preceitos.

"Está escrito na Lei: Por gente doutras línguas, e por outros lábios, falarei a este povo; e ainda assim me não ouvirão, diz o Senhor. De sorte que as línguas são um sinal, não para os fiéis, mas para os infiéis; e a profecia não é sinal para os infiéis, mas para os fiéis" (1 Co 14.21,22).

Essa promessa se cumpriu em Atos 2, com a descida do Espírito Santo. Ali a Igreja estava sendo inaugurada, como Jesus havia prometido de antemão que faria (Jo 15.26; Jo 16.13; Jo 16.7,8). Um novo povo, um povo celestial e separado para a dispensação da graça, estava nascendo naquele exato momento. Vejamos a passagem onde foi registrado o cumprimento desta promessa:

"E, cumprindo-se o dia de Pentecostes, estavam todos concordemente no mesmo lugar; e de repente veio do céu um som, como de um vento veemente e impetuoso, e encheu toda a casa em que estavam assentados. E foram vistas por eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles. E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem. E em Jerusalém estavam habitando judeus, homens religiosos, de todas as nações que estão debaixo do céu. E, quando aquele som ocorreu, ajuntou-se uma multidão, e estava confusa, porque cada um os ouvia falar na sua própria língua. E todos pasmavam e se maravilhavam, dizendo uns aos outros: Pois quê! não são galileus todos esses homens que estão falando? Como, pois, os ouvimos, cada um, NA NOSSA PRÓPRIA LÍNGUA em que somos nascidos? Partos e medos, elamitas e os que habitam na Mesopotâmia, Judéia, Capadócia, Ponto e Asia, e Frígia e Panfília, Egito e partes da Líbia, junto a Cirene, e forasteiros romanos, tanto judeus como prosélitos, cretenses e árabes, todos nós temos ouvido EM NOSSAS PRÓPRIAS LÍNGUAS falar das grandezas de Deus" (Atos 2.1-11).

Quando o assunto é o “dom de línguas”, temos que nos ater a duas perguntas importantes:

1. Qual era o propósito do dom de línguas?

2. Essas línguas eram idiomas normalmente falados no mundo, ou eram meramente um balbuciar de palavras sem significação e em estado de êxtase?

Os versículos citados no início respondem com muita clareza a estas perguntas: (1) Essas línguas foram dadas como um sinal para incrédulos e não para os crentes; (2) e eram línguas entendidas por todas as pessoas que vieram de países onde aqueles idiomas eram falados. Ou seja, eram idiomas comuns, porém, de vários países diferentes.

Se considerarmos esses dois fatores, todas as passagens que tratam do assunto se tornarão claras de uma só vez. Quanto ao fato de elas existirem ou não nos dias de hoje, não, elas não existem. Se existissem, deveríamos esperar que essas línguas fossem as mesmas mencionadas pelas Escrituras. Deus concedeu sinais ao Seu povo para confirmar a Sua Palavra para os incrédulos antes que o Novo Testamento viesse a ser escrito (Mc 16.20; Hb 2.3,4).

O que atualmente é chamado de “dom de línguas” apresenta três problemas: (1) Essas línguas não são utilizadas para proclamar as grandezas de Deus aos incrédulos em suas próprias línguas; (2) essas chamadas “línguas” estão sempre associadas a algum erro sério acerca da Pessoa e obra de Jesus Cristo; (3) elas estão conectadas a várias outras práticas heréticas advindas das mais perversas seitas.

Tudo isso deve nos servir de alerta para que não tenhamos qualquer relação com tais movimentos. A Palavra de Deus diz que devemos "examinar tudo e reter somente o bem" (1 Ts 5.21). Ou seja, devemos examinar essas práticas sob o manuseio responsável das Escrituras e em total submissão a elas, pois muitos são os ramos da cristandade, num todo, que praticam esse tipo de heresia.

Em Atos dos apóstolos encontramos três passagens que falam a respeito do dom de línguas:

1 – Em Atos 2, no dia em que se comemorava a festa de Pentecostes, o Espírito Santo desceu sobre o povo conforme a promessa feita em Atos 1.4,5. Essa promessa também é encontrada em João 7.39; 16.7. Até aquele momento Deus estava tratando somente com a nação de Israel. Enquanto na terra, Jesus declarou de forma enfática: "Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel" (Mateus 15.24). Ele também disse aos Seus discípulos: "Não ireis pelo caminho das gentes (gentios), nem entrareis em cidade de samaritanos; mas ide antes às ovelhas perdidas da casa de Israel" (Mateus 10.5,6). Todavia, naquele dia de Pentecostes, uma promessa feita por Jesus nos evangelhos judaicos estava para ser cumprida, pois antes Ele havia dito aos Seus discípulos: "... edificarei a minha Igreja" (Mateus 16.18). Ou seja, quando Jesus fez esta promessa, a Igreja ainda não existia. Ela só viria a existir em Atos 2. Essa Igreja seria composta de judeus e gentios que se convertessem a Ele (1 Co 12.13). A parede de separação entre judeus e gentios, no que diz respeito à salvação, estava para ser derrubada (Ef 2.14). Com isto em mente, qual sinal poderia ser mais apropriado para transmitir aos povos as boas novas, senão o dom de línguas? Com isso, a mensagem das grandezas de Deus foi assim proclamada em muitas línguas diferentes, sem qualquer aprendizado prévio por parte dos que as falavam. Deus mostrou ao Seu povo judeu que Ele estava indo além das fronteiras de Israel agora. Agora, não somente Israel, como também os gentios estavam incluídos na promessa de salvação eterna. E foi por meio do dom de línguas que os apóstolos e associados a eles transmitiram a mensagem do evangelho a vários povos distintos, pois assim era necessário para que essas nações pudessem entender o que os servos de Deus estavam proclamando.

2 – Atos 10.46 é a nossa próxima referência ao dom de línguas. Havia na casa de Cornélio um grupo de gentios. Deus está ali para apresentar a Cornélio o Seu povo celestial, a Igreja, que agora foi formado com a introdução dos gentios. Sabemos ser Israel o povo terrenal de Deus, e não celestial. Cornélio apenas conhecia o povo terrenal de Deus, o qual agora está posto de lado no presente momento. Pedro é encarregado de pregar o evangelho da graça a ele. Quando Pedro terminou, o Espírito Santo veio sobre eles e eles falaram em línguas e foram introduzidos imediatamente à Igreja de Deus, Seu povo celestial que agora está sendo tratado na dispensação da graça. Em Atos 11.4-18 Pedro se recorda daquele acontecimento extraordinário e diz: "caiu sobre eles o Espírito Santo, como também sobre nós ao princípio". Ora, isso deixa bem claro que eles também falaram em outras línguas igualmente inteligíveis (idiomas falados neste mundo) e não com palavras sem sentido, pois foi assim que o dom de línguas havia sido dado "ao princípio". Mais uma vez vemos que isso estava em perfeita harmonia com os desígnios de Deus em demonstrar que Ele estava alcançando pessoas do mundo todo além de Israel. Agora, não somente Israel comporia um grupo de salvos, como também as nações gentílicas seriam incluídas no ato de Deus em salvar indivíduos por meio do evangelho. Aqueles que se encontravam na assembléia em Jerusalém foram levados a admitir tudo isso, pois disseram: "Na verdade até aos gentios deu Deus o arrependimento para a vida" (At 11.18).

3 – Nossa próxima consulta a respeito do dom de línguas é em Atos 19.6, quando Paulo vai a Éfeso. Havia ali um grupo de discípulos que nunca havia ouvido o evangelho da graça de Deus. Esses homens já haviam aceitado a mensagem de João Batista, o qual proclamava a vinda do Messias. João Batista já os havia batizado nas águas e eles já haviam se arrependido de seus pecados. Porém, esses indivíduos ainda não tinham qualquer conhecimento sobre o evangelho da graça. Tudo o que eles conheciam era a mensagem do chamado ao arrependimento proclamada por João Batista. Quando Paulo chega até eles, ele prega acerca do Senhor Jesus que morreu e ressuscitou, e que o Espírito Santo foi enviado ao Seu povo. João já havia prenunciado que o Senhor Jesus viria para batizar Seus escolhidos com o Espírito Santo e não com água (Mt 3.11), e isso já havia acontecido no dia de Pentecostes (At 2), exatamente como Jesus havia profetizado que aconteceria em Atos 1.5. Agora já não era mais necessário esperar pelo batismo do Espírito Santo, pois Ele já havia vindo, e, assim, quando Paulo impôs suas mãos sobre aqueles homens em Éfeso, estes receberam o Espírito Santo imediatamente. Eles também deram testemunho do ocorrido ao falar em outras línguas, dizendo que o cristianismo não era igual à mensagem de João à nação de Israel, pois a mensagem do evangelho no cristianismo ia além do povo de Israel e alcançava até os gentios. É muito importante notar que a epístola de Paulo aos Efésios não menciona o dom de línguas, mas revela claramente como a parede de separação entre judeus e gentios, com relação à salvação, foi derrubada, formando um só corpo em Cristo (Ef 2.14-16; 3.6).

O DOM DE LÍNGUAS NA DOUTRINA DOS APÓSTOLOS

Após o livro de Atos, dá-se início às epístolas: a doutrina dos apóstolos. A única epístola que fala do dom de línguas é a de 1 Coríntios. É interessante notar que a Escritura nos revela que aos Coríntios não faltava nenhum dom, e, ainda assim, eram cristãos carnais (1 Co 1.7; 3.1). A Palavra de Deus diz que "os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento" (Rm 11.29). Isto é, Deus não retira um dom que tenha sido dado a uma pessoa, mesmo que ela não o esteja utilizando em conformidade com a Sua vontade revelada em Sua Palavra. É possível usar um dom dado por Deus de maneira errada ou fazê-lo apenas para exibição e exaltação própria. Ou seja, ter dons espirituais na Igreja primitiva não provava que alguém era realmente convertido e salvo. Além disso, é muito importante notar que nem todos os crentes em Corinto possuíam o dom de línguas (1 Co 12.30). Alguns dentre os que haviam recebido esse dom não estavam praticando o dom da maneira correta, pois não o usavam em amor, nem para proveito da Igreja de Deus, mas tão somente para a própria satisfação, além de estarem enganando a si mesmos com algo que não era necessariamente a prática do dom de línguas; eles tinham o dom, mas a forma como a usavam tirava de cena o que o dom de línguas realmente deveria promover dentro do corpo de Cristo. Por esse motivo, o apóstolo Paulo os exorta a não agirem como meninos que gostam de se exibir (1 Co 13.11; 14.20).

Agora note algo muito importante: Em 1 Coríntios 13.8-10 diz que as línguas não serão necessárias quando “vier o que é perfeito” e, portanto, cessarão na glória vindoura. Preste muita atenção – aqui não é dito nada sobre o dom de línguas, mas sobre as línguas em si. Elas é que cessarão quando vier o que é perfeito. Assim como as línguas, também não será necessária a profecia, e o conhecimento não será mais em parte. Isso ocorrerá porque todos serão de um mesmo parecer e falarão uma mesma língua (ou idioma). Quanto ao dom de línguas, ele cessou (juntamente com a era apostólica) porque cumpriu seu propósito de anunciar o evangelho da graça aos gentios.

A criação e proliferação das diferentes línguas começaram com a torre de Babel, quando o homem, em seu orgulho, procurou erguer uma torre de tijolos cujo topo alcançaria os céus (Gn 11). Ou seja, antes do ocorrido com a torre de Babel, todos os povos falavam uma mesma língua. A partir do momento em que o Espírito Santo desceu no dia de Pentecostes em Atos 2, Deus começou a construir uma casa espiritual (a Igreja), da qual todos os crentes fazem parte como pedras vivas, não importando que língua falem ou a que nacionalidade pertençam. Mais uma vez vemos a sabedoria de Deus em apresentar esse algo novo – a Igreja – por meio do dom de línguas na era apostólica. Portanto, o uso leviano desse dom, sem amor e para pura exibição, era expressamente reprovado por Deus, como pudemos destacar.

Em 1 Coríntios 14 o apóstolo Paulo trata mais uma vez deste assunto e estabelece as regras para o seu uso em assembléia. Nas ocasiões anteriormente registradas em Atos, elas não eram usadas na assembleia quando os irmãos se reuniam, mas apenas como um sinal para cumprir o propósito para o qual Deus lhes havia dado. Esse dom dado por Deus só era proibido na Igreja primitiva quando não houvesse um intérprete. Com exceção disso, ele podia ser praticado sempre que fosse para a edificação da Igreja. Se o dom fosse usado adequadamente, ele serviria para lembrar os cristãos acerca da graça de Deus em operar Sua salvação entre as nações do mundo todo, reunindo-os em um só corpo em Cristo.

Naturalmente, hoje, quando um estrangeiro nos visita na Igreja, é obviamente necessário que haja um intérprete. Assim também era a regra na Igreja primitiva, porém, com o uso do dom de línguas sobrenatural.  Hoje não temos a necessidade do dom de línguas, uma vez que podemos aprender com facilidade as várias línguas de outros países, sem a necessidade de uma emergência, como aconteceu em Atos 2.

No entanto, mesmo em nossos dias podemos ser propensos a esquecer que, em uma assembléia onde todos falam a mesma língua, Deus está salvando almas de toda tribo, língua, povo e nação, dando a elas o Espírito Santo e introduzindo essas almas ao corpo de Cristo. É uma triste realidade com que temos de lidar com o mal testemunho da Igreja.

A MÁ COMPREENSÃO DOS CORÍNTIOS SOBRE O DOM DE LÍNGUAS

Existia um grande problema na igreja de Coríntios: Os coríntios estavam usando o dom de línguas para a própria exibição, para mostrar que eram mais “espirituais” que os demais crentes da congregação, e, por esta razão, Paulo precisou repreendê-los e impedi-los de falar em outra língua desconhecida dos presentes. Paulo continuou sua repreensão ao dizer que, a partir daquele momento, eles só poderiam usar esse dom quando houvesse um intérprete, para que toda a assembleia entendesse a revelação do evangelho. Mas o apóstolo lhes abriu uma exceção; ele disse aos coríntios que eles poderiam falar em outras línguas somente "consigo mesmos e com Deus", visto que Deus entende todas as línguas, e, assim, toda aquela ânsia por falar em outras línguas seria praticada sem pecado e sem perturbar a Igreja.

Se eu estou em uma reunião onde ninguém compreende o inglês, certamente irei falar comigo mesmo e com Deus somente. Mas a passagem de 1 Coríntios 14.21,22 deixa claro que o dom de línguas não se trata de um estado de êxtase onde uma pessoa começa a pronunciar sílabas sem sentido. Mais uma vez é necessário que se diga que as línguas que Paulo menciona ali eram diferentes idiomas para servir de sinal para os incrédulos que não conheciam a Deus, o poder de Deus e como a mensagem da salvação chegava agora a todas as nações do mundo. Se nenhum dos presentes na assembléia pudesse entender a língua, e se não houvesse nenhum intérprete, ela não serviria de nada; não teria proveito algum para a igreja; ela não cumpriria o propósito de Deus ao conceder esse dom em Atos 2.

A Bíblia enfatiza que toda essa bagunça em Coríntios pareceria loucura para os estranhos que chegassem à igreja de Coríntios e não pudessem compreender o que estava sendo falado. Seria uma confusão total, tal como é hoje nas mais pérfidas seitas da cristandade. Assim como vemos nessas assim chamadas “igrejas” de hoje, Deus não seria glorificado e ninguém seria edificado (1 Co 14.21-25).

Mas a pergunta que normalmente se faz é se ainda temos o dom de línguas em nossos dias. Perguntar isso já é dar a resposta, pois não existe uma pessoa ou grupo que possa admitir ser capaz de fazer o que aconteceu em Atos 2, reunindo um grupo de pessoas de "todas as nações que estão debaixo do céu" (At 2.5), e então falar-lhes, em suas próprias línguas, das grandezas de Deus. Esse tema ainda será tratado mais à frente neste capítulo.

O QUE SIGNIFICA A EXPRESSÃO “FALA MISTÉRIOS”?

Em 1 Coríntios 14.2 Paulo diz que “o que fala em língua desconhecida não fala aos homens, senão a Deus; porque ninguém o entende, e em espírito fala mistérios”. Muita gente pensa que o termo “mistério” ali está relacionado a algo sobrenatural ou até mesmo uma língua angelical sendo direcionada a Deus enquanto se praticava o dom, mas isso não tem nada a ver com o texto, como será explicado mais à frente. A expressão “mistério” nessa passagem se refere ao evangelho da graça que esteve oculto a todos os homens antes da revelação do Novo Testamento. Todavia, agora, as boas novas não são mais mistérios porque os apóstolos cumpriram seu papel em receber diretamente de Deus as revelações daquilo que, até então, era um “mistério” para nós. Para provar este ponto, basta observarmos as várias vezes em que a expressão “mistério” é mencionada com este sentido nas epístolas:

“O mistério que esteve oculto desde todos os séculos, e em todas as gerações, e que agora foi manifesto aos seus santos” (Colossenses 1.26).

“E demonstrar a todos qual seja a comunhão do mistério, que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou por meio de Jesus Cristo”
(Efésios 3.9).

“Ora, àquele que é poderoso para vos confirmar segundo o meu evangelho e a pregação de Jesus Cristo, conforme a revelação do mistério que desde tempos eternos esteve oculto”
(Romanos 16.25).

“Guardando o mistério da fé numa consciência pura”
(1 Timóteo 3.9).

“Por isso, quando ledes, podeis perceber a minha compreensão do mistério de Cristo”
(Efésios 3.4).

“Como me foi este mistério manifestado pela revelação, como antes um pouco vos escrevi”
(Efésios 3.3).

“Descobrindo-nos o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito, que propusera em si mesmo”
(Efésios 1.9).

Como podemos observar, o “mistério” mencionado em 1 Coríntios 14.2 é o evangelho da graça sendo agora comunicado a todos e comungado entre os irmãos em Cristo Jesus. Uma tradução melhor desta passagem seria: “quem fala em língua [como dom], deve falar apenas dos mistérios de Deus ao entendimento dos homens e isto pelo Espírito”.

O termo “mistério” aparece cinco vezes em 1 Coríntios, nos versos 2.7; 4.1; 13.2; 14.2; 15.51, e outras dez vezes em Colossenses e Efésios. Já a palavra “mistérios”, no plural, aparece somente três vezes, que é em 1 Coríntios 4.1; 13.2; 14.2). Para o autor inspirado, o sentido de “mistério” é sempre algo uma vez oculto e que agora foi revelado por Deus.

A ordem de Paulo no capítulo e no verso é que os ouvintes deveriam receber os benefícios do dom de línguas. Assim, aqueles com tal dom deveriam proclamar os “mistérios” uma vez ocultos, mas agora revelados, pelo Espírito Santo. O texto jamais sugere a ideia de que falar em línguas é falar em espírito somente a Deus, como se esse fosse o propósito do dom. Quando o apóstolo restringe os coríntios a fazê-lo é para que haja ordem na igreja e eles possam usar o dom de forma não leviana. Se não fosse assim, não haveria a necessidade da tradução ou interpretação por parte dos intérpretes. Ora, qual a necessidade de ser algo audível em todo o tempo, se posso orar em minha própria mente?

O verso diz também que “ninguém entende” o que o falante está pronunciando. É importante saber que o fato dos ouvintes não entenderem não significa que a fala é estática; existem outras razões para isso, tais como: problemas de audição, não ser nativo da língua, muitos estarem falando ao mesmo tempo, falar muito baixo, etc. Paulo diz: “vós, se, com a língua, não disserdes palavra [logos] compreensível [eusemos: claramente reconhecível], como se entenderá o que dizeis?” (v. 9 – ênfase minha). Aliás, se uma “língua” não pode ser inteligível, ela deixa de ser língua, pois isto pressupõe entendimento. Paulo resolve o problema da falta de compreensão entre os crentes exigindo a presença constante de um intérprete ou tradutor que torne a fala compreensível (vs. 13,27).

A expressão “entende”, no original é akouo, que significa “ouvir uma fala ou linguagem”. Assim, o problema não está no ouvido da pessoa, mas na capacidade de compreender o que está sendo dito ou a língua que está sendo pronunciada. A LXX (versão bíblica septuaginta) usa a mesma expressão para definir o problema da confusão de línguas em Babel (Gênesis 11.1-9).

É importante saber que na expressão “visto que ninguém o entende”, o “o”, pronome pessoal do caso oblíquo, não se encontra no texto original do Novo Testamento. Ou seja, no versículo em sua forma original ficaria “visto que ninguém entende”.

“MAS, E AS LÍNGUAS DOS ANJOS?”

Em 1 Coríntios 13.1 está escrito: “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine”.

Quando Paulo fala das “línguas dos homens e dos anjos”, ele está dizendo aos coríntios que o que eles estão fazendo é como se os anjos estivessem pregando outro evangelho, e não o evangelho de Cristo. Ora, em toda a Bíblia vemos que os anjos são capazes de pronunciar qualquer língua deste mundo, e que os anjos eleitos são espíritos ministrados que cuidam de todos os filhos de Deus, independentemente de sua nacionalidade (Hb 1.13,14).

Sendo assim, não encontramos nas epístolas nenhum pensamento acerca de uma suposta "língua celestial", como é ensinado hereticamente por várias seitas na cristandade hoje. Devemos ter em mente que uma língua desconhecida pelo mundo (ou “língua estranha” ao mundo) não poderia dar nenhum testemunho aos incrédulos. Como já fora dito, as línguas foram dadas como um “sinal para os incrédulos”. Uma língua sem significação não pode edificar a ninguém, pois nenhuma pessoa a entende.

Todavia, baseando-se nesse versículo, pentecostais e carismáticos acreditam falar a “língua dos anjos” ao balbuciarem aquelas palavras sem significação, com sílabas aleatórias que não formam linguagem real alguma, tais como: “Decanta labaxúrias”, “Xalamanáias”, “Suricanta lanapraia”, “Derecanta Cantararamás”, “Xurébias”... etc. Eles crêem veementemente que falar desta forma é pronunciar as “línguas dos anjos”.

Mas será que é isso que Paulo ensinou em sua epístola quando fez referência ao termo “línguas dos anjos” em 1 Coríntios 13.1? Claro que a resposta é “não”. Como já fora mencionado, na Bíblia, nem os próprios anjos jamais falaram assim. Toda vez que um anjo trouxe a mensagem a alguém na Bíblia, este usou a língua comum da pessoa que recebeu a mensagem de Deus.

O QUE PAULO QUER DIZER COM A EXPRESSÃO “LÍNGUAS DOS ANJOS”?

Uma simples leitura do texto sagrado mostra que em 1 Coríntios 13 Paulo emprega com freqüência uma figura de linguagem chamada “hipérbole”. A hipérbole consiste no ato de transmitir uma mensagem por meio do exagero. Às vezes o exagero usado pela hipérbole é tão elevado que chega ao absurdo. Ao usar esta figura de linguagem (hipérbole), podemos dizer coisas que na verdade não existem e nem nunca existirão, apenas com o intuito de passar uma mensagem enfática aos ouvintes.

Em 1 Coríntios 4.15, por exemplo, observamos: “Ainda que vocês possam ter dez mil tutores em Cristo, vocês não tem muitos pais, pois em Cristo Jesus eu mesmo os gerei por meio do evangelho”. Isso é uma hipérbole. Trata-se de um exagero tão extremo que chega ao ponto do impossível, visto que ninguém poderia ter dez mil tutores de uma só vez. E é exatamente essa a figura de linguagem usada em 1 Coríntios 13.

Uma prova disso é que no mesmo texto (1 Co 13) Paulo usa outras hipérboles para concluir sua mensagem a respeito da importância do amor. O apóstolo fala de “conhecer todos os mistérios” e de “saber toda a ciência”. Tudo isso é um óbvio exagero! Não há ninguém no mundo que conheça todos os mistérios, nem qualquer homem que detenha em sua mente toda a ciência. Esse exagero usado na linguagem de Paulo nesse versículo tem o intuito de mostrar aos crentes a magnitude do amor, que é o centro da mensagem ali. O uso de hipérboles nessa passagem é notório para qualquer iniciante em interpretação de texto. Não é preciso ser nenhum “mestre na teologia” para compreender o que está em 1 Coríntios 13. Basta ser letrado e sensato para tirar as conclusões óbvias nessa passagem.

Portanto, ninguém fala línguas de anjos. O fato é que essas línguas nem existem. O apóstolo da graça expressa daquela forma para ensinar que nada é mais importante que o amor (vide todo o contexto – 13.1-8).

maior erro do mundo é pensar que se está falando línguas de anjos ao pronunciar sílabas desconexas e sem significado algum. Ops... acabei de usar uma hipérbole. É claro que esse não é o maior erro do mundo, e qualquer leitor comum sabe muito bem disso!

TODAS AS PASSAGENS SOBRE O DOM DE LÍNGUAS REFEREM-SE À IDIOMAS HUMANOS

Em nenhuma parte das Escrituras é ensinado que o dom de línguas fosse qualquer outra coisa senão idiomas humanos. Tampouco há qualquer sugestão de que as línguas descritas em 1 Coríntios 12–14 eram diferentes das línguas miraculosas descritas em Atos 2, no Dia de Pentecostes. O vocábulo grego usado para descrever tal dom, em ambas as passagens, é “glossa”. A Bíblia mostra em Atos que os discípulos falavam em línguas conhecidas no mundo inteiro. Os judeus incrédulos que presenciaram aquele milagre em Jerusalém ficaram cheios de "perplexidade, porquanto cada um os ouvia falar na sua própria língua" (At 2.6). Lucas nos apresenta uma lista de quinze países e áreas diferentes cujas línguas eram faladas naquele momento (vv. 8-11).

Ratificando ainda mais tal realidade, a palavra grega “dialektos”, de onde procede o vocábulo português "dialeto", também é usada com referências às línguas em Atos 2.6,8. Os incrédulos presentes no Dia de Pentecostes ouviram a mensagem divina anunciada nos dialetos locais. Essa descrição na Bíblia não poderia jamais ser aplicada ao discurso extático da “glossolalia” – prática herética de muitas seitas carismáticas. Portanto, a passagem de 1 Coríntios não pode ser usada como argumento de que Paulo defendia a prática de “falar em línguas estranhas em estado de êxtase”, com palavras sem sentido e muito menos qualquer tipo de “língua celestial ou angélica”.

Além do mais, a Bíblia ensina que o dom de línguas era inferior aos outros dons extraordinários. Esse dom foi concedido primordialmente como um sinal (1 Co 14.22) e não podia edificar a igreja sem o acompanhamento da revelação de Cristo. O dom também era usado pelos coríntios de forma errônea, pois faziam uso do dom para fins de edificação pessoal (14.4). A igreja se reúne para edificação de todo um corpo, não para satisfação própria ou para ficar em busca de experiências pessoais. Portanto, o dom de línguas tinha uma utilidade limitada na Igreja. Era um dom que havia de cessar ainda na era apostólica.

O BATISMO DO ESPÍRITO SANTO

1. Em primeiro lugar, a Bíblia ensina que o batismo do Espírito Santo é concedido a todos os crentes no momento da conversão (Ef 1.13), independente se foram ou não batizados nas águas, uma vez que o batismo nas águas é um rito cerimonial e não uma transformação espiritual. João Batista, por exemplo, já era cheio do Espírito Santo quando ainda estava no ventre de sua mãe (Lc 1.15).

2. Em segunda instância, o batismo do Espírito Santo não é alcançado pelo esforço do ser-humano em obtê-lo (1 Co 12.13; Gl 3.2).

3. Além do fato do Espírito Santo passar a habitar o homem no momento exato da sua conversão, não há nenhuma necessidade do batismo do Espírito Santo ser evidenciado pelo dom de línguas, já que na Igreja Primitiva esse dom era dado somente a alguns (1 Co 12.30).

Todavia, pentecostais, carismáticos e continuístas crêem, em sua vasta ignorância bíblica, que o batismo do Espírito Santo é uma espécie de “segunda bênção” concedida após a “conversão” do crente. Ou seja, na mente deles, a primeira benção que Deus concede é a conversão e a segunda é o “batismo NO Espírito Santo” (como costumam chamar). Não satisfeitos com tamanha heresia, os pentecostais e carismáticos afirmam que o batismo do Espírito Santo é uma dádiva concedida por Deus somente aos cristãos mais “ungidos” e que eles devem buscá-lo com orações, jejuns, clamores, lágrimas e vigílias nos “montes”. Estas pobres almas passam dias e noites gritando, chorando, gemendo, uivando, pulando, girando e se contorcendo no chão enquanto clamam [aos berros] pela tal "bênção".

E a coisa não pára por aí. Nas reuniões pentecostais e carismáticas, aqueles que são supostamente "batizados" pelo Espírito Santo começam a balbuciar o que eles crêem ser “línguas estranhas”, e, num estado de êxtase, caem no chão (o que é chamado por eles de “cair no espírito”) onde ficam rolando ou se sacudindo como se estivessem tendo uma convulsão. Numa manifestação frenética de loucura total, agem como animais irracionais, chegando a manifestar comportamentos animalescos denominados como “unções especiais”, tais como “unção do leão”, “unção do urso”, “unção da lagartixa”... etc. Quanto a isto, há vários tipos de “unção” que os pentecostais afirmam receber de Deus como prova do batismo do Espírito Santo. Quem nunca ouviu falar ou até mesmo presenciou a “unção do riso”? Uma pesquisa no google é suficiente para deixar qualquer pessoa instruída assustada. É uma insanidade após outra nesse pragmatismo religioso. Muitos chegam a desmaiar e ficam deitados por horas a fio, inertes, como se estivessem mortos... e por aí vai.

Toda essa loucura que eles chamam de evangelho vale a pena para eles, uma vez que tais abutres acreditam que o batismo do Espírito Santo eleva o crente a um patamar espiritual diferenciado dos demais crentes, tornando-o participante de uma elite de homens “espirituais” que se situam acima dos crentes comuns, bem como de uma vida repleta de experiências “poderosas” com Deus.

Todavia, em contraste com toda essa loucura que vemos no movimento pentecostal e carismático, vemos outra realidade na Bíblia e na história do Cristianismo. No berçário da igreja cristã, o Espírito Santo desceu sobre os que creram (At 2), e estes falaram em “outras línguas", as quais não haviam aprendido porque não possuíam estudo nem preparo para fazê-lo por si mesmos. Eles anunciavam as grandezas de Deus nas línguas de outras nações segundo o Espírito Santo lhes concedia que falassem. Não obstante, a Bíblia mostra que o dom de línguas era dado a poucos membros da Igreja após o episódio isolado de Pentecostes. A maioria das igrejas primitivas não possuía o dom de línguas. Contudo, os salvos dessas igrejas foram batizados pelo Espírito Santo ao se converterem a Jesus Cristo, mesmo sem o dom de línguas.

Com relação aos pentecostais, carismáticos e continuístas, vemos a presunção de tais caviladores e insensatos em querer dar continuidade ao batismo do Espírito Santo com a imposição de mãos e carimbá-lo com a manifestação do dom de línguas. E eu pergunto a esses hereges lunáticos: Se para as pessoas receberem o Espírito Santo elas devem provar isso sob a manifestação do dom de línguas, o que vocês farão com os mudos? Se o testemunho da presença do Espírito Santo são os dons extraordinários, o que faremos com os santos que deram frutos dignos de arrependimento sem nunca terem manifestado dom extraordinário algum? Se vocês esperam que o Espírito Santo habite em alguém mediante esses “sinais e milagres”, de que maneira, então, ele foi dado a Jesus? Porventura vemos Jesus manifestando o dom de línguas em seu batismo? Tendo Ele a plenitude do Espírito, não seria sensato que a Bíblia nos comunicasse a respeito de tamanha demonstração de “XARAMANÁIAS” num nível astronômico e de proporções escalafobéticas?

O FIM DOS DONS DE SINAIS

Não  apenas o dom de línguas, como também todos os dons de sinais cessaram ainda na era apostólica, como será provado no decorrer deste capítulo. As Escrituras não prometem que os dons de línguas, curas e milagres, que incluíam até o ressuscitar mortos, conforme eram exercidos na Igreja primitiva por pessoas especialmente dotadas desses dons, iriam continuar. Sabemos que eles existiram nos primeiros dias da Igreja, como está claramente registrado em Atos e Coríntios como sinais para confirmarem a Palavra que ainda não tinha sido escrita.

A CONTINUIDADE DOS DONS DE MINISTÉRIO

Embora os dons de sinais tenham cessado, encontramos na Escritura a promessa da continuidade dos dons de ministério para edificação da Igreja (Ef 4.7-16). Temos, agora, na Palavra escrita, o “fundamento” do Cristianismo lançado pelos apóstolos e profetas (Rm 16.26; 1 Co 3.10; Ef 2.20-22), e a continuação dos dons de ministério, "para edificação do corpo de Cristo; até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo. Para que não sejamos mais meninos inconstantes, levados em roda por todo o vento de doutrina" (Ef 4.12-14).


Acesse o blog do meu livro "O Evangelho sem Disfarces" clicando aqui:
https://jppadilhabiblia2.blogspot.com/2019/08/sumario-o-evangelho-sem-disfarces.html

–– JP Padilha / O Evangelho sem Disfarces
–– Fonte 1: Página 
JP Padilha
–– Fonte 2: 
https://jppadilhabiblia.blogspot.com/
–– Fonte 3: 
https://jppadilhabiblia2.blogspot.com/

Nenhum comentário:

Postar um comentário

QUEM É O JP PADILHA? QUAL É A SUA PROFISSÃO?

Se você me perguntar o que eu sou, eu lhe responderei: "sou esposo". Se você insistir, lhe responderei: "sou pai"....